Pois muito bem, que comece a narrativa.
Correndo o risco de afirmar o óbvio, digo: em seu formato tradicional, peças de teatro são feitas para serem assistidas. As peças pré-pandêmicas do Ave Lola não são exceção.
A minha história com a trupe, porém, não segue esse formato tradicional.
Não os conheço e eles também nunca ouviram falar de mim. Sou mais uma pessoa anônima na plateia, ou melhor, gostaria de ser.
A verdade é que, apesar de me encantar com os textos dos avelolinxs, em especial com os da Ana Rosa Tezza, eu nunca assisti uma única peça da companhia.
Mas já ouvi várias.
Estamos em dezembro de 2018. Estou caminhando pela região do Teatro Guaíra na hora do almoço. Faz pelo menos uma semana que cada café, cada restaurante e cada quadro de avisos pelo qual eu passo parece conter o mesmo cartaz, um cartaz para uma peça de teatro chamada “A Pequena Abelha e a Árvore Alta“.
A estética me agrada, a temática da peça, também. Descubro que ela está com estreia marcada para o Guairinha, poucos metros abaixo do escritório no qual passo meus dias. O Maringas Maciel, fotógrafo residente do Teatro Guaíra, me mostra as fotos das comunidades ribeirinhas do Amazonas, onde a peça nasceu.
Já estou convencida, só falta comprar o ingresso.
O mês de dezembro, no entanto, como todo bom curitibano sabe, é um dos mais agitados em matéria de temporada cultural. No vai e vem de peças, acabei deixando “A Pequena Abelha” passar.
Mas tudo bem, pensei, haverá uma nova oportunidade durante o Festival de Teatro no começo do ano que vem.
Avancemos até março de 2019, em pleno feriado de Carnaval.
As pessoas comemoram nas ruas, felizes na sua inocência, sem ter a mínima ideia do que as aguardava exatamente um ano depois.
Meu aniversário está próximo e poderei comemorá-lo com uma visita mais do que especial. Minha prima está chegando do Canadá. Este será o primeiro aniversário que vamos passar juntas em muitos anos.
Combinamos de nos encontrar no Espaço Ave Lola para ver a peça. Eu, ela, seu namorado e sua amiga lituana, que mora com eles no Canadá.
O trio havia visitado a Floresta Amazônica poucas semanas antes. Os três trabalham com artes cênicas e estavam empolgadíssimos para ver a peça, resultado de um trabalho de pesquisa realizado nas comunidades que haviam conhecido.
Chego cedo e pego duas senhas, que seriam trocadas por dois ingressos. Era uma sessão especial com interpretação em Libras, então estava concorrida. Fiz bem em me adiantar.
Enquanto aguardo meus colegas viajantes, passeio pelo espaço apinhado de gente. (Saudades da época em que “aglomeração” não era palavrão). Os minutos passaram, as senhas continuaram a ser distribuídas. E nada dos meus companheiros chegarem.
As pessoas já entravam na sala quando os vi, esbaforidos, correndo portão adentro.
Não é preciso dizer que não haviam mais ingressos a essa altura.
Olhei para os três e pensei: eu posso voltar semana que vem. Eles, não.
Cedi meus ingressos para minha prima e sua amiga, que entraram agradecidas.
A peça começou, o ambiente esvaziou, os foliões na rua seguiram seu caminho até o desfile de Carnaval, e nós, aqueles que não conseguimos ingressos, nos acomodamos nas mesas externas.
O namorado da prima esperando pacientemente e eu com os ouvidos atentos à parede dos fundos do teatro. Foi assim que ouvi minha primeira peça do Ave Lola.
A vida aconteceu e acabei não voltando mais à peça depois daquele dia. Mas, no esforço de deixar minha timeline mais artística no Instagram, passei a seguir o perfil deles.
Eis que chegamos em maio de 2021. Em meio ao meu recém-descoberto vício em podcasts, encontro um podcast todinho produzido pela trupe. Temos conversas de bastidores, contos infantis e, o que imediatamente desperta meu interesse: o primeiro episódio de uma nova radioteatro.
Preparei meus fones, me acomodei na sala e apertei o play no episódio 1 de Frequência Instável.
O estilo próprio e todo brasileiro da radionovela encanta, trazendo aquela sensação de familiaridade. O texto, então, transpira marca autoral. É aquele texto que, mesmo quando te provoca com temas polêmicos, piadas e uma pitada de caricatura em certas personagens, te traz uma sensação de segurança.
A temática da radiopeça instiga. Acho necessário trazê-la para ver se convenço aqueles leitores mais hesitantes a ouvirem o episódio. Spoilers adiante. Esteja avisado!
Em “Frequência Instável“, somos apresentados a uma companhia de teatro que finalmente encontrou uma senhora rica para investir em seu trabalho. Eles decidem visitar uma velha igreja com o intuito de transformá-la na sede de sua companhia.
Inesperadamente, eles encontram um galpão com vários aparelhos de rádio antigos. Era o galpão de experimentos do Padre Landell, um dos pioneiros do rádio, considerado por alguns, inclusive, seu inventor.
Enquanto exploram o galpão, uma tempestade misteriosa e inexplicável atinge a cidade, prendendo-os no galpão.
Gosto muito de autores que prestam atenção aos mínimos detalhes e essa atenção fica bem clara nos textos da Ana Rosa. Essa atenção é importantíssima em uma radiopeça que tem o suspense como elemento central.
O episódio que ouvi tem 36 minutos de duração e já estou ansiosa para o próximo. Minha cabeça já montou várias teorias para o desfecho da história.
Além de Frequência Instável, o podcast do Ave Lola também tem uma série repleta de histórias para se ouvir com a família, inclusive com as crianças na sala. São textos delicados e que te transportam para cenários fantásticos e muito brasileiros.
A versatilidade da trupe Ave Lola no último ano e meio impressiona. Além de radiopeças, leituras dramáticas e podcasts, temos uma outra infinidade de conteúdos disponíveis nas redes sociais. Até peça em forma de desenho eu vi!
É um trabalho feito aqui, no quintal de casa, e que nos abre uma janela para um mundo criativo e fantástico. Cabe a nós, público, aproveitar.
Com este último parágrafo, chego ao fim da minha narrativa de ouvinte de peças de teatro. Espero que esse texto te deixe com vontade o suficiente para pesquisar @ave_lola no Instagram e na sua plataforma preferida de podcasts. Espero também que, antes cedo do que tarde, possamos nos encontrar na plateia para que eu finalmente possa, de fato, assistir minha primeira peça do Ave Lola.
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