Odisséia e Oráculo

A década de 1960 tem seus clássicos absolutos. Alguns discos, além de representar os ideais artísticos vigentes da época, transformaram-se em obras-primas da música. O ‘Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band’, dos Beatles, o ‘Pet Sounds’, dos Beach Boys, discos que o tempo consolidou como definitivos, marcos de uma era. As composições, as belas harmonias vocais, os timbres, os arranjos: um período em que a psicodelia e o pop caminhavam lado a lado. E um dos disco que melhor misturou, e de maneira mais consistente, esses dois universos chama-se ‘Odessey and Oracle’, assinado pelos Zombies.

https://www.youtube.com/watch?v=r0s7zqYF8NU

Em 1967 os Zombies entravam em estúdio para gravar o disco que, anos mais tarde, tornaria-se uma referência. Mas eram dias difíceis para eles. O guitarrista Paul Atkinson, o vocalista Colin Blunstone, o baterista Hugh Grundy, liderados pelos compositores Rod Argent, responsável pelas teclas, e Chris White, responsável pelo baixo, estavam numa situação complicada. Após alguns poucos hits desde de o seu surgimento, a pressão por aparições mais frequentes nas paradas de sucesso começa a pesar sobre a banda. Foi aí que um novo acerto com o selo surgiu. A banda teria mais uma última oportunidade em estúdio, o orçamento seria limitadíssimo e eles mesmo seriam responsáveis pela produção do disco.

A mistura desses elementos, ainda mais dessa forma, pode parecer perigosa. A grafia errada de “odyssey” na bela e colorida capa do disco pode soar como um descuido – e de fato foi – resultante da pressão e da falta de dinheiro que eles enfrentavam na época. Porém, o que aconteceu dentro dos estúdios mostra que são muitas, e às vezes improváveis, as receitas para um discão. Pela primeira vez, eles trabalharam num disco mirando a construção de um albúm conciso, e não um apanhado de canções. As condições e o tratamento cedidos pela gravadora acabou gerando mais liberdade para os músicos – o que fez muito bem para o álbum. A falta de dinheiro foi contornada brilhantemente. Os arranjos, que não são extravagantes e são precisos em suas construções, revelam muito do rock psicodélico que dominava a época. A presença de órgãos e mellotrons, substituindo alguns arranjos de cordas, pode ser encarado como uma opção mais barata, ou como uma forma de trazer o colorido especial da década de 1960 para o som.

Este disco impressiona pela sua constância. Uma coleção de ótimas canções executadas por ótimos músico e sem excessos. Mesmo ousando nas composições, em nenhum momento temos músicas ‘difíceis’ de se assimilar. É o que chamam de ‘baroque pop’, devido a mistura de elementos e a sonoridade. E esse disco, logo de início, mostra sua cara. ‘Care of Cell 44‘ pode parecer uma uma canção de amor cantada na ótima voz de Colin Blunstone. Harmonias vocais ousadas, mudanças entre as partes da música, a presença marcante das teclas, o ritmo alto, tudo constroi a música com leveza. O contra-ponto, porém está na improvável mistura de cárcere e de história de amor numa canção pop. Estes dois sentimentos, de alegria e tristeza, permeiam o disco e o deixa ainda mais completo. É como um belo nascer do sol pintado em cores e tons tristes. A segunda faixa já mostra o outro lado do disco. Inspirada num conto de William Faulkner e baseada no pianos e nas vozes, ‘A Rose For Emily‘ conta uma história que talvez seja uma das tocantes do rock. A disco segue misturando amor e medo, saudade e tristeza, tanto nas letras quanto nos arranjos. ‘Maybe After He’s Gone‘ prova isso e a competência vocal do grupo.

Dentro dessa mistura de sentimentos, ‘Beechwood Park‘ fala sobre a saudade de lugares e pessoas de uma forma sutil. Tão sutil quanto a história de um amor antigo que, para o bem, não passa de memórias pálidas, de ‘Brief Candles‘. A balada ‘Hung Up On a Dream‘ da sequência ao disco e se utiliza da harmonia e do arranjo para criar texturas e sentimentos num crescente que descobre um sonho. Retomando um ritmo mais alto, ‘Changes‘ trás um dos arranjos mais ousados do disco. A harmonia vocal é o grande destaque, que ora caminha somente com a percussão, ora com todos os instrumentos. O resultado é uma canção estranha e misteriosa. ‘I Want Her She Wants Me‘ é uma canção de amor. Porém, aquela dualidade de sentimentos que permeia o disco deixa-se revelar no refrão. O medo e a insegurança de novas paixões, que não deixam de ser amor, transparecem na canção. Um dos pontos altos do disco vem na sequência. A bela melodia de ‘This Will Be Our Year‘ trata sobre a esperança nos dias melhores, sem deixar esconder a crença de que os dias ruins, tão recentes, acabaram.

https://www.youtube.com/watch?v=hwIRiHpX-tw

O disco se aproxima do final e ainda reserva supresas, tanto na sonoridade, quanto na temática. No momento mais tétrico do álbum, o arranjo um tanto circense cria um clima quase mórbido em ‘Butcher’s Tale‘. Uma música sobre os horrores da guerra que resulta num refrão onde um grito desesperado, de alguém já em frangalhos, suplica por ajuda. O clima, porém, muda completamente na próxima faixa. ‘Friends of Mine‘ é uma canção alto astral, recheada de nomes de pessoas queridas nos backings vocals do refrão. E, por fim, a canção que foi o maior hit do disco, e um dos maiores dos Zombies. ‘Time of the Season’ é daquelas músicas que, às vezes, tornam-se mais famosas que a próprias banda. O baixo conduz o andamento, enquanto o vocal, provocante, nos leva a um solo viajante de órgão. E assim encerra-se a obra-prima dos Zombies e um dos grandes discos da década de 1960.

https://www.youtube.com/watch?v=7JM2ghmhGk0

Gravado em 1967, lançando em 1968 e só conseguindo destaque em 1969, o ‘Odessey and Oracle’ não evitou o fim dos Zombies. O reconhecimento viria com o passar dos anos. Este disco, que é um dos mais belos registros da música pop daquela época, mescla sentimentos sem nunca perder a beleza. E talvez esse seja o seu grande mérito, enxergar a beleza que carregam o amor e o medo.

  • The Zombies – Odessey and Oracle (1968) – disco completo

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Por Vinicius Vianna
11/08/2015 19h18