“Essa música não é feliz… E eu quero fazer músicas que falem sobre as coisas boas ao invés das ruins”. Foi o que disse Ian McDonald ao deixar o King Crimson junto com o baterista Michael Giles em 1969. Já o guitarrista Robert Fripp, que permaceu no Crimson, disse que os dois tinham se apaixonado pelas suas namoradas e abandonado o grupo. No fundo, acho que os dois estão falando sobre a mesma coisa. Mas se a história começar agora a gente vai perder algumas boas sonzeiras. Então, vamos voltar para a alegre insanidade de 1967.
Nesse ano Michael Giles e seu o irmão, o baixista Peter Giles, procuravam uma nova banda. No currículo eles já possuiam participações em diversas conjuntos, como os Trendsetters Ldt., na cidade de Bournemouth, Inglaterra. Foi aí que o caminho deles cruzou com o de Robert Fripp. O Fripp, que se tornaria um dos maiores nomes da guitarra, com a sua técnia e com seu estilo sempre experimental, juntou-se aos irmãos Giles para ensaiar. E assim começava a surgir o “The Cheerful Insanity of Giles, Giles & Fripp”, o primeiro e único disco da obscura “Giles, Giles & Fripp”. É verdade que eles não venderam mais de 1000 discos, nunca tocaram ao vivo e a banda não durou mais de 15 meses. Mas a história provou a importância da banda e o disco é uma pérola dos anos 1960. Neste album já podemos escutar a genealidade do Fripp e a incrível criatividade do Michael Giles na bateria, aliadas ao timbrão e às boas linhas de baixo do Peter, em músicas inventivas e com belas sonoridades. Além de esbanjar humor britânico de uma forma um tanto incomum, temos participações interessantes, como o Nicky Hopkins nos teclados e da aproximação do multi-instrumentista e compositor Ian McDonald. É um ótimo disco que merece ser conferido.
Mas, como eu disse, a banda não decolou. Na verdade, ela transcendeu. Isso porque o GG&F tornou-se o embrião de uma das bandas mais importantes da história do rock, aquela que alguns consideram como a criadora do rock progressivo: o King Crimson. O período entre o lançamento do ‘Cheerful’ e do surgimento do Crimson foi de mudanças, novas sonoridades e novos músicos. Michael Giles e Robert Fripp se juntaram ao Ian McDonald e ao Greg Lake e gravaram um dos discos de estreia mais impactantes já feitos. Em 1969 o mundo ouviu, pela primeira vez, o “In the Court of Crimson King”. Antes que alguém torça o nariz por causa do ‘prog’: esse é um discão de rock – existiu um tempo que tudo era rock. E esse disco, meus amigos, é um marco, é daqueles para mudar a sua vida depois de escutar pela primeira vez. Temos peso, muito peso, e um clima sombrio. As ótimas variações de arranjo e de dinâmica, aliada a grandes instrumentistas em grande forma, geram momentos às vezes de caos e confusão, às vezes de delicadeza. É um discão de tudo.
https://www.youtube.com/watch?v=0XimMmONwio
E foi em 1969 mesmo que o King Crimson saiu em turne para promover o seu disco de estreia. E também foi aí em que o McDonald e o Giles começaram a perceber que vibe deles não estava na mesma onda da banda. Daí, se a gente pensar na discussão entre o McDonald e o Fripp, da para imaginar que muitas diferenças pessoais e musicais estavam aflorando. E, assim, no meio da turne pelos EUA, o McDonald e o Giles saíram da banda e resolveram fazer a coisa do jeito deles, e aí nasceu o disco “McDonald and Giles”. Novamente acompanhados do irmão e baixista Peter, iniciaram esse projeto que deu continuidade ao trabalho deles que, na verdade, havia começado no GG&F. Se voce achou o King Crimson muito pesado, não se preocupe, porque eles mesmos estavam cansados daquela sonoridade e exploraram algo muito mais leve.
https://www.youtube.com/watch?v=snwZ36EH6L4
Nesse disco o Ian teve muito mais liberdade. Tocou guitarra, piano, orgão, sax, fluata, clarinete e até zither, além de compor e cantar. Ouvidos mais atentos vão reparar que uma das suas marcas no King Crimson, o meletron, ficou de fora. A ideia era buscar uma nova sonoridade, mesmo. Depois de escutar o GG&F, o ‘In the Court’ e esse disco, o Michael Giles virou o meu baterista preferido. Nunca satisfeito em somente manter o tempo e nunca exagerando nos seus truques, Michael sabe utilizar a bateria como parte integrante do arranjo e da música em todos os momentos. Sem contar o incrível trabalho de percussão, que ajuda a dar o tom que eles buscavam no disco.
A faixa de abertura, “Suite in C – Turnham Green & Here I Am”, já entrega que esse disco será, de fato, mais alegre. Com a participação do mestre Steve Winwood no teclado, começamos a passear por esse universo. “Fligh Of the Ibis” é uma bela canção de amor com uma bela letra de amor. Gosto de como o último verso termina a história que começou no primeiro. Um canção também de amor, mas de modo mais intimista, é o que encontramos em “Is She Waiting?“. Michael Giles nos entrega “Tomorrow’s People”, uma música escrita para seus filhos, as pessoas de amanhã. A música começa de um jeito interessante, com a voz sendo acompanhada somente pela bateria. Bateria, alias, sampleada pelos Beastie Boys. E assim encerra-se a primeira parte do disco.
A segunda parte trata-se de uma peça de pouco mais de 20 minutos batizada de ‘Birdman’. Esse música é dividida em partes distindas: i) Intro; ii) Inventor’s Dream (O.U.A.T); iii) The Workshop; iv) Wishbone Ascension; v) Birdman Flies!; vi) Wings in the Sunset; e vii) Birdman – The Reflection. Parece uma loucura – e é. Essa música conta a história de um inventor que um dia sonhou em voar. Decidido, trabalhou na sua oficina até criar a máquina que o levou para passear pelos céus. Ao fim do dia, refletiu sobre seus sonhos enquanto observava o sol se por. A história é contata e as sensações são transmitidas através das letras e dos arranjos. É possível sentir desde as primeiras batidas de assa do invento até o deslumbramento de primeiro vôo.
É comum as pessoas se perguntaram como seria o segundo disco do King Crimson caso o McDonald e o Giles não tivesse saído da banda. Natural, afinal o trabalhos desses músicos era extremamente próximo naquele momento. Mas prefiro me perguntar como teria sido um segundo disco da dupla. O primeiro e único álbum deles trás boas surpresas e, por isso, imagino o que eles poderiam ter feito se trabalhassem num projeto mais consistente enquanto disco, com composições mais maduras. Também poderiam fugir do grande uso de overdubs, que talvez tenha distanciado o som do que era pretendido. Na época, porém, cada um seguiu seu caminho. Assim como o King Crimson. É incrível imaginar que o mesmo grupo de músicos tenha produzido 3 obras tão diferentes e interessantes. Mas, de qualquer forma, temos bandas e discões o bastante para curtir e descobrir. E essas são nossas máquinas de voar, certo, Homem Pássaro?
E aí, curtiu os sons? Explore os links e desvende mais músicas! Tem alguma dica de discão ou sonzeira? Comente! A música boa é infinita
Nos vemos semana que vem!
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