O trabalho invisível e não remunerado das mulheres e porque devemos acabar com ele

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Em algum momento da vida você já deve ter ouvido a frase “mulher esfria a barriga no tanque e esquenta no fogão.” Junto desse cenário, automaticamente podemos pensar num homem que descansa no sofá, assistindo futebol e bebendo uma cerveja.

Infelizmente essas cenas não são de ficção ou de uma década há muito passada. Essa é a realidade da maioria das mulheres da atualidade. A diferença hoje está no fato de que muitas dessas mulheres têm, além dos serviços da casa, um trabalho externo.

Trata-se da expressão “dupla jornada”, que refere-se aos trabalhos desempenhados pelas mulheres fora e dentro de casa e que, supreendentemente, não causa estranheza a quase ninguém.

Isso porque foi normalizado em nossa sociedade – machista e patriarcal – que as mulheres têm a obrigação de executar tarefas domésticas após o seu expediente externo, ainda que tenham trabalhado por 8, 10 ou 12 horas fora de casa.

Ainda hoje há quem diga que trabalhar fora foi uma opção da mulher, pois a esta sempre foi concedida a “benesse” de cuidar “apenas” da casa e da família enquanto o pai ou o marido ficaria encarregado de prover o sustento.

Acontece que a realidade é mais dura do que isso.

Antes de mais nada, há que se esclarecer que a mulher tem o direito de fazer absolutamente tudo aquilo que ela quiser, assim como também tem o direito de não sofrer qualquer interferência de terceiros nas suas escolhas, especialmente a interferência de homens na sua opção por seguir uma carreira profissional.

Ainda, importa considerar que a manutenção da mulher apenas no ambiente doméstico sempre foi e ainda é um limitador à sua liberdade. Com o homem provendo o sustento da família, não raro é que a mulher seja obrigada a comer, beber, vestir e usar tão somente aqueles produtos que o homem acha viáveis comprar.

Da mesma forma, muitos homens veem estas mulheres como suas serviçais, como pessoas que têm a obrigação de lhes servir ininterruptamente, mesmo quando estes já estão em seus lares e sem qualquer outra atividade a ser realizada, afinal de contas eles já trabalharam o dia inteiro para sustentar aquela casa. À mulher, só resta a obrigação de retribuir.

Esse contexto repressivo e quase que escravizante da mulher desencadeou a árdua luta feminista pela inserção das mulheres no mercado de trabalho, mas não porque estas simplesmente optaram por trabalhar fora, e sim pela necessidade de proverem o próprio sustento e gerir a própria vida da forma que melhor lhes aprouver.

É certo que nenhuma mulher, ou pelo menos a maioria delas, nunca quis entrar no mercado de trabalho e ainda assim manter intacta a sua jornada de serviços domésticos, de cuidados com seus filhos, pais ou maridos. Até porque, essa obrigação nunca foi somente delas.

Segundo dados do IBGE, as mulheres chegam a trabalhar 11 horas por semana a mais que os homens em razão do desempenho das tarefas domésticas. Com o advento da pandemia, esses números só vêm aumentando.

Uma pesquisa realizada pela empresa Kearney nos Estados Unidos mostrou que 30% das mulheres entrevistadas cogitaram abandonar os seus empregos em razão da sobrecarga ocasionada pela dupla jornada, exponencialmente crescente no cenário pandêmico.

Feitas estas considerações verificamos que, apesar dos avanços e da inserção da mulher no mercado de trabalho, a sua jornada como trabalhadora doméstica e responsável pelos cuidados com familiares nunca foi efetivamente reduzida e muito menos deixou de existir.

Apesar das mulheres estarem desempenhando o mesmo papel que os homens no mercado de trabalho, as atividades pertinentes ao lar não passaram a ser dividas igualmente entre eles. Da mesma forma, as mulheres não recebem qualquer salário ou benefício por continuarem desempenhando as tarefas domésticas e se sujeitando a tal dupla jornada.

Para além desse cenário, muitas mulheres ainda sofrem represálias por não fazer as atividades domésticas de forma satisfatória ou no momento em que os homens queriam, ou então por pedir ajuda a eles ou, simplesmente, por ser impossível dar conta de tudo.

Não são poucos os homens que reclamam, xingam, ameaçam e até mesmo agridem as mulheres por sentirem-se insatisfeitos com tarefas que deveriam ser feitas por eles próprios, se não integral, ao menos parcialmente. Nesse cenário, além do trabalho invisível, tem-se também uma violência doméstica invisibilizada.

A responsabilidade pela feitura das atividades domésticas, pelas compras no supermercado, pela educação dos filhos e pelo cuidado com familiares é de todos os membros da família e da casa, ou seja, trata-se de uma responsabilidade que é exatamente igual entre homens e mulheres.

Os afazeres domésticos constituem efetivamente um trabalho, haja vista que incluem lavar, passar, cozinhar, limpar, organizar, educar, consertar, transportar, pagar etc. A problemática reside em três fatos: além de não remunerado, é um trabalho invisível e é um trabalho atribuído apenas às mulheres. E é por isso que devemos acabar com ele.

Não acabar com as atividades domésticas, é óbvio. Mas acabar com a responsabilização exclusiva da mulher pela sua realização. Acabar com a dupla jornada de trabalho da mulher. Acabar com o não reconhecimento do trabalho que é realizado pela mulher dentro de casa. Acabar com a violência doméstica decorrente disso. Acabar com a omissão dos homens na hora de lavar os pratos ou as próprias roupas.

Se a mulher saiu para o mercado de trabalho, ela deve também poder sair da frente do tanque e do fogão. Porque lugar de mulher é onde ela quiser.

Por Bianca Ungaratti
25/05/2021 18h53