O quão “bacana” é ser mulher dentro da polícia militar

Esse texto trata-se de uma breve crítica ao machismo que permeia a nossa sociedade. Entretanto, o conteúdo de hoje visa discutir um tipo especial desse comportamento: aquele arraigado nas polícias militares do país.

No final do mês de junho a Justiça Militar do Estado do Paraná absolveu o médico da Polícia Militar, Fernando Dias Lima, das acusações de prática dos crimes de atentado violento ao pudor e assédio sexual.

O tenente-coronel, conhecido como “Doutor Bacana”, foi acusado dessas práticas por mais de trinta mulheres atendidas nos batalhões da Polícia Militar (PMPR). A maioria delas pertencentes à corporação e outras esposas de militares.

Na sentença o juiz do caso afirmou que o Ministério Público acusou o agressor erroneamente, argumentando que o Código Penal Militar exige que haja violência física ou grave ameaça para a configuração dos crimes, o que não teria acontecido nos casos em concreto.

Salienta-se ainda que o julgador expressamente reconheceu a ocorrência dos fatos, mencionando não estar dizendo que “não existiram as condutas praticadas pelo acusado, e nem mesmo que as vítimas não sofreram as angústias dos atos a que foram submetidas, sendo certo que pela carga emotiva de suas palavras, pelas expressões corporais, pela dor que carregam em seu interior, certamente guardarão as marcas e cicatrizes dos mencionados constrangimento”.

Mesmo assim, o magistrado entendeu não haver violência física ou grave ameaça.

Indo para o estado de São Paulo, a ex-soldado Jéssica Paulo do Nascimento foi outra vítima de assédio sexual e ameaças de morte dentro da corporação, dessa vez pelo tenente-coronel Cássio Novaes. Impossibilitada de prosseguir em sua carreira em razão de tais crimes, a ex-policial solicitou a exoneração do cargo.

Nesse caso a vítima chegou a passar mais de dois anos afastada da corporação e, ao retornar, os assédios e ameaças continuaram. Munida de provas, especialmente mensagens enviadas pelo tenente-coronel através do WhatsApp, a ex-soldado denunciou o agressor e solicitou medidas protetivas em abril deste ano, as quais foram negadas pela Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo.

Esses são apenas dois exemplos dentre uma infinitude de outros casos, alguns levados ao conhecimento das autoridades, a maioria não.

Destaca-se aqui que não estamos falando de mulheres marginalizadas, sem acesso à informação ou sem voz, mas de mulheres que, apesar de tudo, são silenciadas e tornadas submissas por seus superiores ou colegas de profissão, pura e simplesmente por um único motivo: o fato de serem mulheres.

A ex-soldado Jéssica, mencionada no segundo exemplo, pretende criar uma rede de apoio para ajudar outras vítimas, mas muitas mulheres sequer conseguem contar o ocorrido para uma outra pessoa. Outras tantas não acreditam na efetividade das denúncias.

A figura feminina dentro das polícias militares do Brasil é muito recente. No estado do Paraná o ingresso das mulheres na corporação foi permitido somente a partir do ano de 1977. Atualmente, as vagas femininas preenchem apenas 12% do efetivo da polícia militar em todo o país.

Para além disso, ainda hoje a mulher é vista como o sexo frágil e alocada especialmente em funções administrativas dentro das corporações, pois não são vistas como profissionais capazes para o trabalho nas ruas. Escondidas dentro dos batalhões, o silenciamento delas se torna maior.

No caso dos homens policiais militares, o machismo é ainda mais acentuado em razão do distorcido conceito de militar, que faz com estes se vejam e sejam vistos como seres belicosos, guerreiros, aguerridos, mais fortes, mais bravos e sempre superiores às mulheres. Nesse cenário, tendem a demonstrar as suas ‘capacidades’ através da prática de condutas sexuais, as quais, muitas vezes, criminalizadas.

As mulheres, por sua vez, também assombradas por essa cultura medieval, se sentem acuadas e, quando bravamente denunciam os seus agressores, assistem esses homens sendo julgados por outros homens, que também são militares.

Tristemente pouco adianta suplicar aos homens que abandonem as piadas machistas ou as condutas de cunho sexual, que respeitem as mulheres e reconheçam as suas habilidades. Infelizmente precisamos seguir apoiando e incentivando as mulheres a ocuparem todos os espaços, a alcançarem os mesmos cargos, a mostrarem o seu valor e as suas capacidades.

Devemos seguir incentivando as denúncias, que as vítimas exponham os seus agressores e tragam à tona toda e qualquer transgressão advinda dos seus colegas de corporação, até mesmo aquelas que não necessariamente sejam tipificadas como crime, mas que estejam carregadas de machismos.

Ao Estado, sugerimos políticas de não discriminação e de combate à violência de gênero nas instituições.

Às polícias militares de forma geral, ainda tentamos, mesmo cansadas, pedir: respeitem e coloquem as mulheres de suas corporações nos lugares que estas merecem ocupar. Punam os homens agressores com a beligerância dos militares.

A todos os policiais militares, relembrem-se de suas funções: SERVIR e PROTEGER.

Por Bianca Ungaratti
06/07/2021 19h27