Nos devolvam os nosso corpos

Foto: Getty Images

Na última semana o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina proferiu decisão confirmando a absolvição de André Camargo Aranha pelo suposto cometimento do crime de estupro. Apesar de não causar grande surpresa, a notícia foi recebida com certo amargor, em especial pelas mulheres, haja vista a robustez de evidências de que o fato realmente ocorreu – destaque-se aqui, em especial, a palavra da vítima.

Ainda na mesma semana circulou nas redes sociais o relato de outra mulher que seria vítima de estupro após um motorista de aplicativo tentar dopá-la dentro do veículo durante uma corrida. A plataforma teria se negado a informar o nome completo do agressor.

No primeiro caso a vítima estava em uma casa noturna. No segundo, estava voltando para sua casa após o trabalho. Em ambos os casos, os agressores – homens – tentaram valer-se (ou valeram-se) do estado de inconsciência das vítimas, as quais entorpecidas, não poderiam defender-se.

O fato é que as mulheres têm que estar atentas a absolutamente tudo em absolutamente todo o tempo, simplesmente porque os homens não lhes dão paz!

A mulher não pode andar na rua sem ouvir pelo menos um “fiu-fiu”. A mulher não pode usar roupa curta, pois é um convite. Não pode usar muita maquiagem, pois quer chamar a atenção. Não pode beber, sob pena de não se dar ao respeito. A mulher não pode sorrir, não pode falar, não pode olhar, pois qualquer atitude é entendida como abertura para ser assediada. 

As mulheres são agredidas nas ruas, no transporte coletivo, nos seus trabalhos, dentro das universidades, nas festas e até mesmo dentro de suas próprias casas. Não há liberdade para ser, nem para estar, nem para usar, pois não importa a conduta que a mulher tenha, ela é sempre mal interpretada e tem a sua palavra colocada em xeque.

O mais chocante é perceber como os agressores se sentem com total liberdade para assediar. O sentimento de liberdade é tão grande, que se sentem no direito de entorpecer uma mulher para abusar do corpo dela sem que a vítima sequer possa saber o que está acontecendo. 

Os corpos simplesmente são despossuídos. 

A despossessão começa quando a mulher precisa pensar na roupa que ela vai vestir para sair de casa, pois pode ter maior ou menor risco. Os corpos femininos são mantidos em posse dos homens até mesmo quando estes são condenados pelas suas agressões, pois sempre se questiona “o que ela estava fazendo lá” ou “porque ela não estava em casa naquele horário” ou “como que ela não percebeu”. 

A mulher é culpada por ser vítima. A mulher é violentada pelo agressor, pela sociedade e, eventualmente, pela “justiça”. E o que lhes resta é apenas continuar lutando.

Por Bianca Ungaratti
12/10/2021 18h00