“The shooting stars in your black hair
in bright formation
are flocking where,
so straight, so soon?
Come, let me wash it in this big tin basin,
battered and shiny like the moon.”
Shampoo, poema de Elizabeth Bishop para Lota.
O amor entre duas mulheres sempre foi deixado em segundo plano, tanto nos registros históricos quanto na imprensa atual. São raras as pautas LGBTs que abordam o amor feminino. Ou seja, até dentro do movimento há reflexos da nossa sociedade patriarcal e machista. Mas no mês de março as redes sociais pararam para debater sobre o beijo entre as personagens das atrizes Fernanda Montenegro e Nathália Timberg, na estreia da novela Babilônia. Já era hora de falarmos sobre as lésbicas.
Caça às bruxas
No livro Devassos no Paraíso (Record, 2000, R$70,00), de João Silvério Trevisan, o autor faz considerações sobre o tratamento dado aos homossexuais masculinos e, em alguns trechos, traça paralelos com as lésbicas. A ideia obtida com a leitura é que as histórias dos homens, mesmo que viscerais, traziam à tona o impacto sexual e a culpa, aspectos mais interessantes para estudo do que as relações amorosas e sentimentais femininas.
Apesar de vagos, há registros de lesbianismo que vão do Brasil indígena ao romance entre Elizabeth Bishop e Lota. As tríbades, por exemplo, eram índias que viviam em papéis masculinos. Aos olhos dos portugueses, elas “portavam armas, seguiam ofício de homens e tinham outras mulheres com quem eram casadas”.
Durante o período da Inquisição, no século XVII, mulheres que praticavam o ato nefando eram perseguidas e condenadas por feitiçaria. O caso de Felipa de Souza, mulher que tinha diversas amantes, inclusive dentro dos conventos, é conhecido por ela ter sido açoitada publicamente e banida da Bahia por sodomia e leitura de livros proibidos. Mas, outra vez, a figura do homem homossexual era tida em maior nível. Quase como se mulheres não pudessem ser gays, mas apenas feiticeiras.
Amor em poesia
Vencedora do Prêmio Pulitzer, em 1956, pela sua obra poética North & South – A Cold Spring, Elizabeth Bishop foi uma das responsáveis por desabrochar a flor do lesbianismo no espaço público brasileiro da época. Seu romance com Maria Carlota de Macedo Soares, a Lota, foi foco de diversas matérias na mídia brasileira e de pesquisas biográficas. O seu amor pela arquiteta carioca contribuiu para que sua poesia amadurecesse e rendeu, em 2013, a obra cinematográfica Flores Raras, do diretor Bruno Barreto. Confira o trailer:
Bishop teve uma infância instável e uma vida amparada na insegurança e solidão, o que ajudou a desenvolver a asma e uma série de alergias. O episódio que marca o início do romance entre as duas artistas é quando Elizabeth come um caju na sua primeira viagem ao Brasil e, após uma crise alérgica com direito a internação no Rio, é cuidada por Lota. O carinho, a atenção e a postura altiva de Lota conquistaram os olhos e o amor da enferma.
Essa paixão e a vida que levavam na chácara de Samambaia fez Bishop escrever alguns dos seus melhores poemas, como o que abre este texto. Em 1965, seu livro Questions of Travel começava com uma linda dedicatória à amante.
Lota apresentava algumas características que muitos definiriam como machona, e por isso foi extremamente criticada quando escolhida por seu amigo e governador do então estado da Guanabara, Carlos Lacerda, para estar à frente da obra do Aterro do Flamengo. A vida que ambas tinham juntas na casa de Samambaia começou a desandar a partir desse momento.
Bishop voltou a recair em suas crises alcoólicas e Lota começou a desenvolver uma personalidade ríspida e abusiva. O retorno da poeta aos Estados Unidos, em 65, não ajudou a relação. A história das duas passou a ser escrita através de linhas tortas. Brigas, acusações, discussões, tentativas de reaproximação, nada funcionou efetivamente. Lota, que se encontrava com depressão profunda por conta da separação, viajou a Nova York atrás de Elizabeth.
Em setembro de 1967, logo após uma conversa com a companheira, Lota esvaziou um vidro de sedativos e, depois de uma semana em coma, faleceu no hospital. O amor entre as duas mulheres marcou para sempre a história da poesia mundial. Tanto o Brasil como os Estados Unidos têm em Elizabeth Bishop um dos principais nomes da literatura do século XX.
“I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn’t a disaster.
—Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan’t have lied. It’s evident
the art of losing’s not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.
One Art, poema de Elizabeth Bishop.
Data de Lançamento: 11 de abril de 2024
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