Uma explosão, uma revolução, música para dançar até amanhecer. Uma mensagem, uma voz, uma luta. Liberdade, um grito. Fela Kuti é tudo isso. Alguém que se ergueu, que também ergueu aqueles a sua volta e que acreditava, sinceramente, que a música é uma arma.
Olufela Olusegun Oludotun Ransome-Kuti, ou simplesmente Fela Kuti, nasceu em Lagos, maior cidade da Nigéria, em 1938. Filho do Reverendo Isarael Oludotun Ransome-Kuti, que o colocou em contato com a música ainda na infância, e da Funmilayo Rasome-Kuti, importante ativista nigeriana em favor dos direitos das mulheres, Fela é melhor entendido quando conhecemos suas origens. Ele ainda era jovem quando foi mandado a Londres para estudar medicina com seus irmãos. Mas a medicina não conseguiu superar seu amor pela música.
De volta à Nigéria, ele já moldava sua personalidade musical. Fela uniu o highlife — estilo tradicional africano — ao jazz, deixando sempre em evidência a sua paixão pela música negra. Uma pitada da força do James Brown e começava a nascer o estilo que Fela Kuti ajudou a cunhar: o Afrobeat. No fim da década de 1960, uma viagem aos EUA daria contornos à sua personalidade política. Durante um período de cerca de 10 meses, Fela entrou em contato com livros e ideais novos que fariam sua cabeça para sempre.
Em 1970, Fela Kuti estava volta à Nigéria. Nigéria, um país oprimido por um regime militar, um povo agredido por uma Guerra Civil, um governo corrupto que lucrava com o petróleo. Fela sabia que a Africa sofria e sabia que as coisas deveriam ser diferentes. E ele não tinha medo da autoridade, pelo contrário, constantemente a ameaçava. Fela acreditava nele mesmo e sabia que suas ideias eram fortes, e ideias são mais fortes que pessoas e que a própria repressão.
Foi aí, de volta a Lagos, que Fela Kuti montou sua República Kalakuta. Um complexo onde moravam sua família, seus amigos, seus músicos e pessoas da comunidade. Era um lugar que tirava jovens das ruas para colocá-los num ambiente onde poderiam aprender alguma profissão e descobrir um novo universo político, apresentado a eles por Fela através de livros como Malcom X e das ideias do Orgulho Negro. Era o lugar onde Fela morava com suas várias esposas e onde ele ensaiava com a sua banda: Afrika ’70.
Além de uma República, Fela Kuti fundou também uma das casas de show mais explosivas da História: a Afrika Shrine. Shows que só terminavam por causa do nascer do sol, quem tocava e dançava sempre tinha gás para mais. Os shows sempre continham altas doses de discurso político e energia incontrolável. Até o Paul McCartney se emocionou com a energia do lugar.
E Fela traduzia tudo isso em sua música. Em 1973, Fela Kuti e a Afrika ’70 lançaram um discão chamado ‘Gentleman‘ que nos ajuda entender como tudo isso funcionava. Fela, extremamente perfeccionista e musical, substituiu o sax tenor Igo Chico, que havia deixado a banda. Resultado? Depois de aprender a tocar o instrumento, gravou a faixa de abertura, que dá nome ao disco, solando e improvisando do seu jeito característico. A letra revela o teor político de sua arte: uma crítica forte à mentalidade colonial de alguns africanos. Fela questiona, de um jeito absolutamente dançante e envolvente, o uso de roupas feitas para o inverno europeu no calor da África. Ele não era nenhum gentleman britânico, ele era um africano. Um africano original.
Esse discurso de identificação e independência é incrível. Fela entendia a essência africana e por isso queria ir além. Diferentes idiomas ajudam a construir essa identidade. Em ‘Fefe Naa Efe’, inspirada num provérbio Ghanes, além do inglês, a música é cantada em Ashanti e Yoruba.
O disco, de apenas 3 faixas, termina com ‘Igbe‘. Como é típico do Afrobeat e da obra do Fela, as músicas constumam ser longas. A ideia da repetição e do mantra são centrais. Por vezes, um segmento pode se repetir várias vezes sem ser reduzido ou aumentado. A magia desse som está hipnose que ele proporciona.
Fela viveu uma vida de extremos. Continuou transmitindo suas ideias de liberdade e orgulho, enfrentou a repressão, teve sua casa invadida, familiares feridos e mortos, foi preso. Quando morreu, em 1997, foi enterrado como heroi na Nigéria. Hoje ele é um icone para a política, para a arte e para a Africa.
Seu legado é incalculável. Sua figura é muito representativa para a Nigéria e para a África, e o Afrobeat é um estilo que desconhece barreiras geográficas. Hoje temos, por exemplo, a chilena Newen Afrobeat, a London Afrobeat Collective, do Reino Unido, a Antibalas, dos EUA, e a ótima Bexiga 70, de São Paulo.
Fela Kuti acreditava na música. Ele queria mudar o mundo com seu som, e não dá para negar que ele transformou, e ainda transforma, o mundo de muita gente. Fela Kuti carregava a música nos punhos, como uma arma. Ele sabia, e dizia, que a música é a arma do futuro.
https://www.youtube.com/watch?v=WBZXBlZjejc
E aí, curtiu os sons? Explore os links e desvende mais músicas! Tem alguma dica de discão ou sonzeira? Comente! A música boa é infinita 😀
Até semana que vem!
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