Estupro marital sob a ótica do ordenamento jurídico: a mulher não é propriedade

O crime de estupro é previsto pelo artigo 213 do Código Penal e se caracteriza pela ação de uma pessoa em “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena se inicia em seis anos, podendo chegar a trinta, se houver o resultado morte.

Em relação à pena, merece destaque o artigo 226, inciso II do Código Penal, que prevê que esta será aumentada em metade quando o agente (aquele que comete o crime) é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela.

Neste ponto destacam-se os termos “cônjuge” e “companheiro” e identifica-se o crime de estupro marital, que nada mais é do que aquele cometido por uma pessoa contra outra com quem mantém um relacionamento de namoro, união estável ou casamento.

O código penal não traz o estupro marital como um crime em específico, havendo as previsões tão somente dos crimes de estupro ou estupro de vulnerável, o que dificulta a aceitação pelo senso comum de que pode, sim, ocorrer esse crime dentro de uma relação sólida entre duas pessoas, como no casamento, por exemplo.

Essa concepção popular se dá, principalmente, em razão da cultura machista – infelizmente ainda muito presente em nossa sociedade – na qual a mulher é vista como propriedade do seu namorado, companheiro ou marido.

Diante dessa visão ultrapassada, tem-se que a mulher é submissa ao homem e, estando em um relacionamento, está obrigada a praticar relações sexuais com seu cônjuge ou companheiro sempre que este quiser, independente da vontade ou não da mesma. Mais do que submissa, o machismo coloca a mulher como objeto a serviço do homem.

Entretanto, a Lei Maria da Penha, em seu artigo 7º, inciso III prevê que “qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força” constitui uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Nesse contexto, apesar de óbvio, faz-se necessário reforçar que a mulher não é propriedade de homem nenhum, seja ele seu pai, seu irmão, seu namorado, seu companheiro ou seu marido.

Existem relatos de maridos que exigiam relação sexual em troca de comida para os filhos. Ainda, até o ano de 2005, se a vítima se casasse com o agressor, o crime de estupro sequer era punido!

O estupro marital é o mais subnotificado de todos, porque – infelizmente – muitas mulheres não sabem que estão vivendo um tipo de violência e que podem se recusar a ter uma relação sexual se não houver vontade.

Assim, reforça-se aqui que as mulheres são seres individuais, sujeitos de direitos, protegidas pela Constituição Federal e por diversas legislações, inclusive por leis específicas. A mulher é um ser livre e dotado de total autonomia, sendo obrigação de todos a sua volta permitir-lhe fazer as escolhas que bem quiser.

Qualquer relação sexual entre pessoas maiores de idade e absolutamente capazes somente pode ocorrer se houver o consentimento de todos os envolvidos. Qualquer coisa diferente disso é ESTUPRO. Mesmo que as pessoas envolvidas sejam marido e mulher.

Esse crime, além de violar a integridade física e moral da mulher, fere diretamente sua dignidade humana juntamente com sua dignidade sexual. Trata-se de um crime que ofende preceitos constitucionais.

Dessa forma, a mulher não pode, em hipótese alguma, ser obrigada, instigada ou coagida a praticar relações sexuais com o seu marido ou companheiro se não for por integral vontade desta, sob pena de caracterizar-se o estupro marital.

Como em todos os crimes, denunciar é o primeiro passo para dar efetividade a punição dos agressores. Diante disso, se você for vítima do crime de estupro marital, solicite auxílio jurídico e denuncie!

Por Bianca Ungaratti
22/06/2021 15h33