Entre Facas e Segredos: a comédia disfarçada de drama

Discussões políticas irrompem na mesa de jantar. Quem votou em quem para a presidência, quem merece o usufruto dos benefícios que os impostos pagam, quem deveria pagar tais impostos? Um assassinato no sótão enquanto, no andar debaixo, especialistas recém-formados em política externa intimidam a criadagem uruguaia, brasileira, cubana? Talvez porto-riquenha? Entre Facas e Segredos é um drama cômico que utiliza um conhecido pano de fundo para contar sua história.

Com direção e roteiro de Rian Johnson, Entre Facas e Segredos acompanha a investigação do detetive particular Benoit Blanc (Daniel Craig) sobre o suposto suicídio do escritor milionário Harlan Thrombey (Christopher Plummer), encontrado em sua residência na manhã seguinte a sua festa de aniversário de 85 anos. Da nora, a digital influencer Joni Thrombey (Toni Collette) à enfermeira que não consegue mentir, Marta Cabreira (Ana de Armas), todos são suspeitos, e todos parecem ter um milhão de motivos para querer o patriarca morto.

Johnson utiliza a família Thrombey para narrar uma intrincada e crítica trama sobre privilégio e o modo de vida estadunidense. Mantidos pela fortuna de Harlan, seus descendentes estão dispostos a atos extremos para preservar aquilo que acreditam ser sua identidade, e os mesmo mais progressistas membros da família se mostram tão conservadores quanto os demais diante de ameaças ao seu confortável status social.

Abençoados por uma falta de responsabilidades e de aflições que, em uma sociedade capitalista, apenas o dinheiro garante, os Thrombey reproduzem discursos um tanto quanto familiares. A América para os americanos, a empregada que é “parte da família”, o direito ancestral a terras roubadas. Entre Facas e Segredos é carregado de comentários sociais, que estão presentes em seu roteiro, em sua direção e em seu elenco, completado por nomes como Chris Evans, Jamie Lee Curtis, Michael Shannon, Katherine Langford e Jaeden Martell. A escolha de Evans, particularmente, merece destaque. O ex-Capitão América encarnando um personagem tão desprezível quanto Hugh Ransom Drysdale é uma alfinetada que não passará despercebida aos mais atentos.

Enquanto escadarias acima a família Thrombey se digladia por dinheiro, escadarias abaixo Marta brilha por sua humanidade. É dela o protagonismo deste quebra-cabeça, com ela que tememos e por ela que torcemos, e embora aqui o roteiro de Johnson não consiga escapar das consequências de se apoiar em tropos, Ana de Armas faz um belo trabalho para empatizar a personagem.

Com 2h10min que não percebemos passar, Entre Facas e Segredos é uma comédia disfarçada de drama que nunca oculta suas intenções, mas as escancara nos reflexos deformados de duros objetos cortantes: talvez o resultado sejam apenas ferimentos superficiais, mas o objetivo é causar incômodo, ainda que mínimo.

Crítica por Luciana Santos, especial para o Curitiba Cult.

Por Curitiba Cult
09/12/2019 14h02