Dilemas de Carnaval (parte I)

Foto: Pedro Jucá

Aproxima-se o carnaval. Cura dos desvalidos, desforra dos oprimidos, apoteose da brasilidade. O princípio e o fim dos tempos – todo bom brasileiro que se preze sabe que o ano só começa depois da folia. Alegria das gentes, paz dos povos, unificação da nação. E, pairando sobre ele, uma questão ainda mais premente do que descobrir com que roupa eu vou: o que fazer?

Há quem goste de ficar em casa e há quem ame viajar. Há quem seja contra a folia e há quem não possa perder. O problema surge quando, como eu, você é um pouco de tudo isso. O presente trabalho visa, portanto, à revisão de literatura sobre o tema, a fim de melhor fundamentar a escolha dos que, também como eu, deixaram para decidir tudo de última hora (fazendo jus à carteirinha de Bom Brasileiro Que Se Preze). Espero que seja de ajuda.

São quatro as combinações possíveis. Hoje vamos explorar três delas.

Ficar Em Casa e Descansar

A opção mais econômica – e mais triste também. Se for criança, você pode ir para a casa da sua avó predileta, acompanhar o desfile das escolas de samba na televisão e, enquanto ela mais dorme do que assiste, ir adormecendo sem saber que a sua história era mais bonita que a de Robinson Crusoé. É triste porque, mais velho, você vai lamentar não poder voltar ao tempo dos amores simples.

Se for adolescente – ou, de repente, um adulto estudando para concursos –, você pode se convencer de que comprar o pacote de entradas para o cinema do shopping é um ótimo negócio. Depois você ouvirá com certa amargura os relatos empolgados dos colegas que viajaram para o mela-mela na praia ou para as ladeiras de Olinda. Tudo bem, tudo bem, você nunca gostou de levar ovo e farinha na cara mesmo. E, quanto aos concursos, não se preocupe, você será aprovado mais rápido que a maioria deles.

Se for um adulto de vida estável morando em Curitiba, durma. Durma bastante. Faça também um estoque de comida. É possível que até os supermercados fechem.

Ficar em Casa e Farrear

Pode trazer más lembranças do tempo em que você não viajava porque não tinha dinheiro (em linguagem contemporânea: pode dar gatilho). De toda forma, pode até funcionar – desde que você não more em Curitiba.

Mesmo que a cidade seja das suas favoritas no mundo, será preciso coragem para passar o feriado na maior capital do Sul do país. Se decidir ficar, quem sabe para desafiar os detratores e provar que estavam errados – afinal de contas, o pré-carnaval em Curitiba é ótimo –, talvez descubra que falavam a verdade. Ao final, você para sempre se lembrará do bloquinho improvisado que, composto por seus cinco ou seis percussionistas (e mais seus cinco ou seis foliões), duraria só até cair uma chuva torrencial.

Se for religioso, considere participar de vigílias – virar a noite no culto também configura farra. Esteja, no entanto, preparado para o caso de uma vizinha invadir a igreja e, aos prantos, explicar que tem criança pequena em casa e implorar que, pelo amor de Deus, que não é surdo, você e seus colegas cantem mais baixo, que já são três horas da manhã e ela logo mais tem ponto para bater. Na hipótese de ela começar a se tremer da cabeça aos pés, é possível que o pastor a tome por endemoninhada e a expulse de lá enquanto ora para amarrar seus demônios, mas paciência, a salvação tem preço alto – muitos são os chamados, poucos os escolhidos.

Viajar e Descansar

“Destino oficial dos casais 30+ que não pulavam carnaval nem quando tinham 16” – as amigas que realmente conhecem você usarão slogans como esse para fazer propaganda dessa que, sem dúvidas, é das opções mais tentadoras.

Bom para consolidar namoros recentes e reparar amizades que talvez não viessem tão bem das pernas. Bom também para terminar de vez amizades ruins e namoros que, para começo de conversa, nunca deveriam ter deslanchado. De uma forma ou de outra, dá FOMO (em bom português: MFF – Medo de Ficar de Fora), porque, se você teve dinheiro para dar muitos mil reais numa passagem para Buenos Aires ou Campos do Jordão, certamente seria capaz de arcar com os custos da alternativa mais cara (ver próxima crônica).

Se for viajar com a família, lugares frios são fortemente recomendados, pois, como se sabe, o calor pode esquentar ânimos e levar a cabeça quente de alguns parentes à ebulição. É possível, por exemplo, que você tenha que apartar uma briga entre seu avô e sua tia, enquanto ele a manda caminhar sempre pela sombra, maneira sutil de chamá-la de ser das trevas. Com sorte, isso aumentará seu gosto pelas figuras de linguagem e, talvez, um dia você vire escritor(a)(e).

Por ora, paremos por aqui. Semana que vem, exploraremos as maravilhas da opção predileta dos brasileiros: Viajar e Farrear.

Por Pedro Jucá
24/01/2023 13h00