Crítica: “Anora” diverte ao discutir volatilidade de relações

Anora. Foto: Divulgação.
Foto: Divulgação

Questões sociais permeiam os detalhes da comédia com toques de drama “Anora”. O filme já estreou no Brasil e é indicado a seis Oscars, incluindo Melhor Filme. O longa-metragem de Sean Baker vai construindo camadas durante a trama, levando o espectador a acreditar, no início, que está assistindo uma comédia romântica. Mas está longe disso – e esse é seu trunfo.

Preferindo ser chamada de Ani, Anora (Mikey Madison) não tem contato com suas origens, mas sabe falar um pouco de russo. O que a ajuda a atender clientes especiais na boate de dança erótica. Ela acaba no colo do filho de um oligarca russo, Vanya (Mark Eidelstein), e o que começa como uma transação comercial vira um namoro e um casamento em questão de dias. Os pais do garoto mandam capangas para forçar a dupla a anular o casamento, e Ani vai fazer de tudo por essa relação.

Efemeridade

É estranho, à primeira vista, entender a paixão da dupla. Ani e Vanya se apaixonam rapidamente, mas de forma superficial. Aos poucos, o diretor vai revelando essas camadas de dois jovens querendo viver algo fora de suas bolhas. Vanya escapa do controle dos pais e torra o dinheiro deles em drogas, festas e, agora, com Ani. Anora foge do dia a dia cansativo de dançarina erótica e se deslumbra com a vida de luxo do rapaz russo. É fácil confundir conforto com amor.

Vanya é um mimado que não se preocupa com quem está à sua volta. Ani luta por se manter em destaque e garantir o pagamento a cada ação sua. Essa relação de classes é explorada de forma fluida e não dita. Se no começo parece que a união do casal é superficial, momentânea e cercada de interesses, Baker vai descortinando ao pouco essa verdade.

Controle

Há um controle muito certeiro do diretor sobre o roteiro. Mesmo que algumas cenas pareçam longas demais, como dos capangas segurando Ani, há um motivo. O filme se desenrola por situações que vão ficando cada vez mais escalonadas, sem pausa, lembrando narrativas como “Snatch”, mas diferente do longa de Guy Ritchie, não cai no absurdo ou na comédia exagerada. “Anora” se permite rir das situações cômicas, mas Baker deixa um tempo longo de tela a ponto de voltarmos à realidade crua da situação.

A comédia vira angústia e tudo passa pelos olhos de Mikey Madison. A atuação da atriz é muito boa em transmitir os anseios de Ani, a insegurança que ela tem na paixão de Vanya por ela surgindo aos poucos, e a tentativa de controlar a situação. Ela fala demais, grita, e tudo ajuda a construir uma personagem interessante – não exatamente querida, mas impossível de ignorar.

Personagens

Baker tem uma boa visão de personagens em seus filmes. Aqui, todos têm espaço para personalidades bem marcadas, até quem tem pouco tempo de tela. Isso torna a trama mais interessante e bem desenvolvida. Os capangas ajudam a construir uma dualidade entre fazer o que for preciso sem causar mais danos, temendo por seus empregos ou até, quem diria, pela moral dos seus atos. O diretor é muito bom em criar personagens complexos e apresentá-los bem e no início da trama. O espectador se envolve logo de cara, mesmo que desgoste deles. Baker também sabe quando aproximar e afastar o enquadramento, quando acelerar ou alongar um quadro.

“Anora” é um filme divertido e que entrega mais do que promete – ainda que seja longo demais. Tecnicamente, é um avanço em relação a outros trabalhos dele, que já eram muito bons, como “Tangerine”, mas não é tão memorável quanto esse.

Por Brunow Camman
03/02/2025 10h10

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