Conceição Evaristo fala de machismo e próximos livros no Festival da Palavra

Conceição Evaristo lotou o Memorial de Curitiba. Foto: Brunow Camman/Curitiba Cult.
Foto: Brunow Camman/Curitiba Cult

Um grande nome da literatura nacional abriu o Festival da Palavra neste domingo (16/06), em Curitiba. Conceição Evaristo foi responsável por lotar o Memorial da Curitiba, com plateia ocupando até os dois lances da escada caracol para ouvir a autora de livros como “Ponciá Vivêncio”. Depois da solenidade inicial, a escritora, que se tornou referência na literatura afro-brasileira, falou de temas como suas escrevivências, machismo, estilo de escrita e até sobre os futuros projetos.

Ela foi homenageada com músicas inspiradas em seus escritos, cantadas por três cantoras conhecidas do público curitibano: Rúbia Divino, Kátia Drummond e Janine Mathias. Conceição dançou com o público antes de subir ao palco do espaço.

Escrevivências

O tema de sua fala foi “Escrevivências”, termo que a autora criou para designar seu estilo de escrita. Combinando os termos “escrever” e “vivência”, equilibra a inspiração de fatos reais acontecidos em sua vida com experiências étnicas e de gênero comuns às mulheres negras, ficcionalizando vivências. Ela destacou a força da escrita para pensar questões sociais: “O poder de ficcionalização da escrita tem essa capacidade de dizer a identidade de um povo, de refletir esse tempo histórico”.

Seus textos, caracterizados por uma sensibilidade ao mesmo tempo em que tratam sem rodeios temas como preconceito e violência, são marcantes. Para emocionar o leitor, ela confessou: “primeiro eu me emociono, eu choro por causa deles (dos personagens)”.

Reconhecimento

Conceição Evaristo já ganhou um prêmio Jabuti e teve suas obras traduzidas para idiomas como inglês e francês. Ainda assim, não conquistou uma cadeira da Academia Brasileira de Letras, que celebra os “imortais” da literatura nacional. Em 2018, era candidata, e recebeu apenas um voto. Poderia ter sido a primeira mulher negra naquele espaço. “A Academia Brasileira de Letras tem uma função muito pouco territorial porque não descreve o país de maneira crítica”, comentou, quando questionada sobre o tema.

Ainda assim, vê um potencial maior em outros ambientes como o acadêmico – afinal, ela também é Doutora em Literatura Comparada: “Esses espaços estão mais propensos a pensar identidade”. Ela apontou para a importância de entender a literatura produzida por pessoas negras para além da representatividade. “É preciso que os pesquisadores se debrucem também sobre o uso da linguagem. Talvez a minha produção literária já esteja sendo pensada nesse viés”, afirmou.

Machismo

Um dos temas que trouxe foi a questão do machismo. “Tenho me preocupado muito com a imagem do homem negro no meu texto”, disse. A escritora destacou que o homem negro sofre do racismo, que ele é visto em outra posição social em relação ao homem branco, mas isso não o isenta de ser machista. “O homem negro é machista de bobeira, porque ele não está com esse glamour todo”, brincou. Porém, ressaltou a necessidade de apoio coletivo: “O que o homem negro menos precisa é que nós mulheres negras sejamos algozes dele, porque a sociedade já o é”.

Referências

Entre nomes que admira, Conceição Evaristo falou diretamente: “Se eu fosse uma cantora, eu queria ser Nina Simone. Se eu fosse outra escritora, seria Toni Morrison”. Falou sobre leituras atuais e indicou alguns livros, muitos que destacam a condição da mulher negra, como “Eu, Tituba: Bruxa Negra de Salém”, de Maryse Condé, escritora guadalupense falecida neste ano.

Novidades

Quando questionada sobre livros futuros, Conceição surpreendeu a plateia. Tem vários projetos encaminhados. Entre eles, um livro que mistura cartas que sua mãe a enviava com textos seus. Um futuro livro será de poesias eróticas, com referências a cultura negra a partir de narrativas africanas. Outro projeto é uma trilogia, para o público jovem. No campo acadêmico, concluiu: “quero escrever um livro de crítica literária focado em mulheres negras”.

Encerramento

Para encerrar o evento, Conceição Evaristo declamou de memória o conto que dá nome a um de seus mais memoráveis livros: “Olhos D’Água”. Ela emocionou a plateia com uma narrativa que trata de maternidade e busca da ancestralidade no convívio de mães e filhas. A escritora foi ovacionada ao final da noite de abertura do Festival da Palavra.

Por Brunow Camman
17/06/2024 08h00

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