Como tirar uma amiga da fossa sem se lambuzar

Ela me ligou chorando. Fiquei sem saber o que dizer. Nunca tinha visto ela assim. Nem imaginei que aquela mulher forte, que passa como um trator por cima de qualquer perrengue, pudesse ficar daquele jeito. Mas estava.

Minha amiga mais progressista e irreverente estava destruída por causa de um conservador e antiquado pé na bunda.

Cansaço foi a causa mortis. Os dois estavam exaustos de se amar sem ser amados. Até que aconteceu o último suspiro. Salgado.

Foram anos de esperança. Ela esperava. Ele esperava. E como diz Daniel Craque: A esperança é o sentimento mais nocivo que existe, porque te mantém sofrendo por algo que você nunca vai conseguir.

Combinamos de nos encontrar. Quando olhei pra ela daquele jeito, continuei sem saber oque dizer. Os papeis estavam invertidos. Ela era a minha conselheira. Ela era a que sempre tinha uma resposta na ponta de língua. Pensei: o que será que ela falaria pra mim se eu tivesse me sentindo um lixo?

Com os olhos esbugalhados e a cara toda ranhenta de tanto chorar, ela enxugava o rosto com os punhos da blusa (pqp, limpar o nariz nas mangas é muito foda. a vaca tinha ido pro brejo mesmo.)

Ficamos abraçadas até que ela conseguisse se recompor e me contar o que havia acontecido.

Não pude acreditar naquela história. Ninguém acreditaria. Por isso, não vou nem gastar caracter contando. Mas o fato é que eu estava diante de uma pessoa na fossa. E esse lugar é muito nada a ver pra alguém tão cheirosa.

Tentei agir como ela agiria comigo:

  • Vamos lá. Juntas descobriremos uma forma de dar a volta por cima. Você é inteligente, é divertida, é bonita, é forte. Tem a vida toda pela frente. E logo…

Ela me cortou:

  • Não venha me dizer que logo estarei com um novo amor porque tudo que eu quero nessa vida é passar uns tempos sem amar, sem criar expectativas, sem esperar uma surpresa, sem me encolher pra ganhar um abraço “inesperado”, sem me sentir sozinha estando junto. Menos amor, por favor.

Corrigi:

  • Ok! Vamos de ódio então.

Respondeu rindo, sem passar qualquer credibilidade. Ela tem esse jeito de rir quando está fodida. Mais uma tentativa minha:

  • E se… você entrasse em algum grupo de bike, de escalada, de corrida?
  • Cê ta louca? Eu aqui precisando de alegria e você sugere que eu arrume amigos que vão tentar me convencer que é legal acordar às 5 da manhã pra passar frio até começar a suar e depois postar aquela foto “morri, mas passo bem”. Eu, hein!

Outra ideia:

  • E o Tinder? Você não tinha curiosidade de ver como funciona o Tinder?
  • Curiosidade é uma coisa. Necessidade é outra né, amiga? Com uma bio de 500 toques (sim, temos certificado de datilografia), acho que me saio melhor contando uma piada do que me vendendo pra relacionamentos

Fui tentando várias outras ideias: personal, dança de salão, viagem, voltar a estudar, sair pegando todo mundo. E nenhum conselho parecia preencher aquela mulher. Comecei a achar que, pra quem tinha levado um fora, ela bem que podia estar mais facinha.

Achei e falei. A gente tinha liberdade para isso. E ela respondeu:

  • Facinha? Bem que eu queria. Mas não rola. Meu fetiche é amor
  • Ah é? E aquela ideia do menos amor, por favor?
  • Passou.

Tudo passa.

Por Luciane Krobel
26/07/2021 18h36