Cléo De Páris revela as amarras de “Hipóteses para o Amor e a Verdade”

São Paulo, terra da garoa, terra de ninguém. Cidade repleta de desconhecidos que se cruzam o tempo todo, trocam olhares, vez e outra sorriem, cantam sozinho e não se falam. Na espera do metrô, cruzando a Paulista, descendo a Augusta, por todas as partes. São Paulo é uma cidade solitária, mas é repleta de possibilidades na vivência essencial de sua própria diversidade. Esse é o plano de fundo sugerido pelo longa-metragem “Hipóteses para o Amor e a Verdade“, adaptação da peça teatral homônima encenada pelo grupo teatral Os Satyros, em 2010, e desta vez nas telas de cinema, com a direção de Rodolfo García Vázquez e roteiro de Ivam Cabral.

Há cinco anos, quando Vázquez e Cabral iniciaram o projeto de “Hipóteses para o Amor e a Verdade”, foram entrevistados inicialmente mais de 200 moradores de São Paulo, entre eles, residentes, prostitutas, traficantes, empresários, transexuais, michês, atores, músicos e toda a efervescência característica da região central da cidade de pedra que abrange a pulsante Praça Franklin Roosevelt, ou apenas “Roosevelt”, onde Os Satyros estabeleceram seu próprio espaço cultural e estão radicados desde o ano 2000. Em 26 anos de atuação, a Companhia já vivenciou sua arte em terra portuguesa, na bela Lisboa, além de ter se apresentado em diversos palcos europeus e terem se fixaram mais de cinco anos em Curitiba antes de partirem para sampa.

“Teve uma noite que eu estava muito abalada emocionalmente na hora de gravar e o Rodolfo aventou a possibilidade de desmarcar a diária. Imagina o prejuízo para uma produção independente! (…) eu não aceitei e consegui fazer a cena, mas é um carinho raro, amor mesmo, entende?”, revela com exclusividade ao Curitiba Cult a atriz Cléo De Páris, que integra o grupo Os Satyros e o elenco de “Hipóteses para o Amor e a Verdade”. Embora o filme retrate a solidão como sentimento de estopim para os diálogos e estética fotográfica, nos bastidores de gravação e na vida da equipe de filmagem o amor e a verdade não são hipóteses, mas sentimentos que vervem a autenticidade e competência do grupo em mais de duas décadas em conjunto.

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Os 11 personagens do filme se declinam em diversos sentimentos durante uma noite na cidade de São Paulo. A partir de questionamentos nonsense sobre a ideia de vazio e isolamento, transmutam sobre possibilidades de amor, em que a decorrência da solidão fosse necessária para haver o preenchimento interno dos personagens a partir deste laço: solidão, amor e solitude.

Vencedora do Kikito de melhor atriz no curta-metragem A Vida dos Outros, e figura carimbada na Roosevelt, pelos seus cabelos loiros e olhos azuis, Cléo De Páris conta os detalhes do filme “Hipóteses para o Amor e a Verdade” e suas impressões a partir de seu ofício na carreira de atriz.

Curitiba Cult: Você foi vocalista da banda “Acretinice Me Atray”. Com relação ao teu pé no underground e depois de anos de convivência na Roosevelt, o quanto essa atmosfera te auxiliou na composição do seu personagem, uma vez que o filme retrata a solidão como sentimento de estopim para os diálogos e estética de “Hipóteses para o Amor e a Verdade”?

Cléo De Páris: Penso que esse passado underground me ajudou a compor a personagem, pois essas vivências vão ficando com a gente, na nossa pele, nos nossos poros, na nossa respiração. O que sou hoje é uma composição de tudo o que passou por mim, dos lugares onde pisei, das palavras que disse e ouvi, dos anseios, das frustrações… Algumas experiências pessoais, às vezes, encaixam mais na personagem do que em nós mesmos, é engraçado, há coisas que se empresta a elas e é como aquela roupa que você dá pra amiga e diz: “ficou muito melhor em você!”.

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Antes de virar filme, “Hipóteses para o Amor e a Verdade” foi montada inicialmente para o teatro. Você chegou a assistir? De alguma forma houve alguma influência para o desenvolvimento da sua encenação?

Sim, eu assisti várias vezes a peça, gostava muito, acho que foi um divisor de águas no trabalho do grupo, por trazer a performatividade na sua forma mais pura e voraz, as pessoas atendiam o telefone a hora que quisessem, eram incentivadas a isso. Também as personagens, criadas a partir de histórias reais, traziam uma força dramática muito poderosa e isso me contaminou bastante. Ao ser convidada para participar do filme, rememorei a atmosfera intensa do espetáculo, isso ficou presente no meu pensamento.

O Vázquez, é conhecido justamente pelo seu trabalho de direção de atores. Para você, que já foi dirigida por nomes como Antunes Filho, Dionísio Neto e Fabio Mazzoni, como foi trabalhar com o Vázquez?

Eu não fui dirigida pelo Antunes, apenas participei do CPTzinho. Pelo Dionísio Neto também não, eu atuei em uma peça dele, dirigida pela Renata Jesion, que é excelente diretora! O trabalho com o Fabio Mazzoni foi posterior ao meu trabalho com o Rodolfo e foi uma experiência bem distinta, os textos eram meus, do meu blog, foi muito especial. Depois ainda trabalhei com o Eric Lenate, no ano passado, no espetáculo Ludwig e suas irmãs, e tive que buscar uma destreza técnica com a qual ainda não havia me deparado. O Rodolfo é um diretor cuidadoso, atento, generoso e nossa química sempre bateu, foram trabalhos especiais todos os que realizei com ele, preciosidades que estão na minha alma.

O filme possui esta linguagem mise-en-scène que remete muito aos filmes franceses. Você chegou a morar em Paris? Ao assistir o filme pela primeira vez, como você recebeu a estética e a montagem cinematográfica?

Eu não morei em Paris… Apenas visitei por duas vezes! Mas sim, o filme remete aos filmes franceses, aquele cinema de autor, talvez justamente por ser o trabalho de uma companhia de teatro. Gosto muito do resultado que alcançamos, há uma honestidade e uma dignidade no filme que me emociona, tem muito de todos nós la. O texto que falo com o Fábio Penna na cena do teatro foi escrito por mim para a peça Cabaret Stravaganza, é uma leitura do nosso corpo com as “cicatrizes” que os acontecimentos da vida nos deixaram como legado.

Como foi o processo de gravação de “Hipóteses para o Amor e a Verdade”, já que praticamente toda a equipe se conhece por realizar montagens teatrais?

Foi com uma atmosfera de muito amor e tranquilidade, de entender o tempo de cada um, de respeito mesmo. Isso não é frequente em cinema. Teve uma noite que eu estava muito abalada emocionalmente na hora de gravar e o Rodolfo aventou a possibilidade de desmarcar a diária. Imagina o prejuízo para uma produção independente! Equipamentos alugados, toda a equipe pronta, cronograma a ser cumprido… Eu não aceitei e consegui fazer a cena, mas é um carinho raro, amor mesmo, entende?

“Hipóteses para o Amor e a Verdade” está em cartaz no Cine Guarani até o próximo dia 02/12, de terça a domingo, com ingressos a R$ 12 e R$ 6 (meia), sempre às 19h. O filme conta ainda com a atuação dos atores Ivam Cabral, Luiza Gottschalk, Paulinho Faria, Gustavo Ferreira, Robson Catalunha, Tiago Leal, Esther Antunes, Tadeu Ibarra, Ricardo Pettine, Fábio Penna e Phedra D. Córdoba. 

(Imagens: Divulgação)

Por Lucas Cabana
17/11/2015 22h09