Brincadeira de adulto

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Quando me dizem que videogame é coisa de criança, eu rio — mas rio de uma forma tão gostosa que muito provavelmente quem me contou isso duvide profundamente do que falou alguma coisa séria. Em tantos anos passando do pequeno Nintendinho até os mais avançados PlayStations, não tenho como negar que esses aparelhos invejáveis da cultura nerd definitivamente acompanharam a infância de milhares… Mas também tenho certeza que nada do que se passou em mundos coloridos e pixelizados só está marcado na memória de juvenis de 20 anos metidos a jornalistas de games.

Videogame não é um interesse específico, limitado a aqueles que não cresceram ou que “só querem saber de se divertir”. Pesquisas provam isso por todo o mundo, mostrando o quanto esse entretenimento está atraindo adultos. Mas, convenhamos: pesquisas são muito difíceis de se ingerir em um primeiro momento.

Às vezes, esses juvenis de 20 anos conseguem uma oportunidade única e se surpreendem com o que encontram nos eventos que vão cobrir ao redor do mundo… E também descobrem como qualquer imagem genérica sobre a criança fanática por Super Mario é quebrada em mil pedaços no instante em que sente na pele o que é realmente a comunidade dos eternos amantes pelo entretenimento digital.

BlizzCon, 7 de novembro de 2014. O calor da Califórnia acompanha a trajetória das rodovias que saem de Los Angeles e entram na cidade de Anaheim. A conferência mundial da Blizzard está abrindo suas portas para um público mundial que esperou por um ano inteiro de novidades para seus jogos preferidos e que agora lota a praça do Centro de Convenções da cidade.

Infinitos universos se chocam entre o público: World of Warcraft, Starcraft e Diablo são apenas alguns dos grandiosos títulos que estão presentes na memória de todos os que entram pelas extensas portas de vidros. Estão lá para acompanhar campeonatos mundiais, novidades e anúncios exclusivos; mas também trocam entre si o ânimo de estar presenciando algo incrível: a possibilidade de estar vivenciando algo que os marcam por décadas.

A Blizzard é uma empresa fundada em 1991 e conhecida por fazer grandiosos games para PC. Seu primeiro título famoso ultrapassa essa barreira genérica: The Lost Vikings chegou para o SNES e para o Mega Drive ainda em 1992, seguido das explosivas corridas de Rock’n Roll Racing no ano seguinte. Warcraft: Orcs & Humans chegaria em 1994 para causar uma revolução no gênero de estratégia com uma boa inspiração tolkiana, bem a tempo desse redator que vos escreve começar a dar seus primeiros passos e aprender as primeiras letras do alfabeto. Cresci ao mesmo tempo que a empresa: joguei muito Warcraft III: The Frozen Throne, Starcraft e Diablo II em diferentes ocasiões pela infância e adolescência, e também fui acompanhado pelos amigos nessa jornada aos diferentes mundos contidos na telinha do computador — mas nunca imaginaria que eles me levariam tão longe.

Se você já participou de um grande evento que tanto sonhou em participar, talvez você também tenha percebido o quanto sua presença física é limitada: você quer estar em todos os lugares; ver tudo, presenciar tudo, conversar com todos e escrever mil matérias com uma máquina de escrever inconsciente que mal consegue marcar tudo o que pensa nas folhas do teu bloquinho.

Conviver com isso durante dois ou três dias é quase insuportável, mas você se acostuma e até dá um tempo para que sua própria cabeça tenha um respiro para curtir o evento à sua maneira. No meu caso, eu deixei que ele me levasse para as competições de games — aqueles palcos em que jovens adotam suas estratégias mais complexas e estudadas em versões rápidas, modernas e explosivas de um xadrez dissolvido em naves alienígenas e bases militares.

Cruzei, em dez minutos, os quatro salões inteiros da BlizzCon para ver as finais de Starcraft — aquelas em que sempre dois coreanos gênios se enfrentam pela taça do mundo. E sempre são coreanos: do outro lado do mundo eles levam os jogos eletrônicos muito a sério, fundando equipes e centros de treinamento, realizando grandes shows de estratégia ao vivo e entregando certificados para quem consegue passar com sucesso nas ligas de profissionalização. Um outro mundo que trazia seu distinto show  para o ocidente naquele dia.

Eu já vi o Maracanãzinho estar lotado para ver finais de games, e a estrutura estava parecida. Milhares de jovens e adolescentes se reunindo no calor da expectativa, prontos para ver muita ação do seu jogo preferido se desenrolar nos imensos telões no meio da quadra. Mas a BlizCon tinha algo de diferente, e eu descobriria isso quando sentei, na parte de cima da arquibancada, logo na frente de um casal de dois senhores; ela devia ter 45 anos, enquanto ele por volta dos 35. Perguntei, descontraidamente: “Ah, ele veio torcer para algum dos coreanos?” Ela riu. A resposta até hoje me mostra o quão ingênuo você pode ser com qualquer tipo de coisa.

“Não, não, ele só veio me acompanhar. Eu torço para o Life, eu também jogo de Zerg.”

45 anos, um anel de noivado entrelaçado pelas mãos do marido, alguns fios de cabelo brancos despontando pela cabeleira loira e um rosto bem cuidado com algumas cicatrizes da idade encarando minha cara de surpresa. Ela sabia muito melhor que eu como a raça alienígena de Starcraft poderia contornar a avançada tecnologia militar dos Terran para vencer aquela sequência de sete mapas… Uma imagem que quebrou, para sempre, minha concepção encaixotada de entretenimento reservado para uma faixa etária.

Não sei se importou quando o jogador favorito daquela senhora varreu seu adversário por quase quatro partidas seguidas e ganhou o prêmio mundial, aclamado pela plateia. Eu sorri em meio à chuva de confete que caía para celebrar a vitória do coreano. Entendi, finalmente, que crianças podem ser apaixonadas por carros antigos e senhores de idade podem amar videogames. Ri porque o mundo é muito menos genérico dos que as pessoas imaginam.

Por Maximilian Rox
18/12/2014 15h39