Brigue como uma garota

Imagem: Getty Images

Era uma sexta-feira, fim de tarde de inverno. Aquele tempinho que a gente conhece bem por aqui: frio digno de neve, mas sem a diversão da neve.

Trânsito infernal, barriga roncando de fome, pés gelados, lábios cozidos pelo vento cortante. Eu tinha tudo pra estar de mau humor. Mas não, tava tocando Blur no rádio e eu descobri que ainda havia paz no meu coração pra cantar “So give me coffee and TV…”

Só que a música acabou e as buzinas e aceleradas apressadas estavam quase conseguindo atropelar a minha calma, quando o trânsito finalmente fluiu.

O Waze, mais seguro do que nunca, disse: vire a esquerda. Minha intuição falou: não Lu, não vira. Mas o Waze insistiu: vire a esquerda. Na dúvida, eu não dei o pisca, mas acabei virando. O que motivou mais algumas pessoas a testarem se suas buzinas estavam funcionando conforme a descrição no manual do veículo.

Segundos depois eu já nem me lembrava mais do buzinaço, porque estava entalada numa via de mão dupla que não passavam dois carros simultaneamente. Mas, por sorte, tinha uma SUV na minha frente. E por onde passa uma SUV, eu também passo. Colei na bicha e fui no vácuo. Só que uma hora ela travou. E eu travei atrás.

No sentido contrário vinha um opala preto, bem invocado. Invocado e puto por estar fechado sem poder seguir. Ele buzinou, acelerou, relinchou e conseguiu passar pela SUV. Mas não por mim. Porque uma moto tinha se enfiado no meu lado direito e me obrigou a ficar um pouquinho tortinha na via. E o opala continuou a relinchar como seu eu pudesse prender a respiração e encolher a barriga do carro para ele passar.

Me senti tão pressionada por aquele carro que rebolei e consegui abrir espaço. Mas a criatura não queria só passar. Ele queria era parar do meu lado para poder me xingar olhando nos meus olhos.

Ele baixou o vidro.

Eu pensei: não vou ceder pra esse otário.

Baixei o vidro também. Os olhos dele pareciam que iam pular do crânio. E enquanto ele escolhia o palavrão mais grotesco, fui mais rápida e, com toda a fúria que habita em mim, falei:

– Oi! Tudo bem?

O passageiro que estava com ele caiu na risada.

Rá! Ganhei playboy.

Por Luciane Krobel
02/08/2021 16h37