Armas na Mesa: meios e fins discutidos sem maquiagem

Dirigido por Jhon Madden, que teve em Shakespeare apaixonado seu filme de maior sucesso, Armas na Mesa – Miss Sloane no original – tem um poder narrativo cada vez mais raro nas produções atuais. Fica claro, nas 2h e 12min do filme, que Madden não quis arriscar e permaneceu no seguro: narrativa fluída e ausência de espaços interpretativos. É fato que a forma como o longa prende o público se deve mais ao roteiro do estreante Jonathan Perera do que à direção de Madden, porém, todos sabemos que ao não atrapalhar, o diretor já ajuda muito.

Apesar de tratar sobre a legislação de porte de armas nos EUA, o filme pouco fala sobre o assunto. O drama, que tem um thriller político que cai como uma luva no cenário social atual, mostra a forma como o Lobby (que nos EUA é uma função legal e em quase nada parecida com o que vemos aqui no Brasil) é utilizado para direcionar decisões importantes que aos olhos dos cidadãos são decisões tomadas com base apenas no padrão moral dos políticos que estão no poder.

A escolha de Jessica Chastain para o papel de Elizabeth Sloan foi, com certeza, um dos grandes trunfos de Madden. A atriz, que já interpretou um personagem de caráter e personalidade parecidos em “A hora mais escura” (2012), consegue ser o anti-herói que de tão verdadeiro, faz com que o público sinta empatia ao invés da aversão que seus atos naturalmente causariam. Sloan é uma lobista que construiu uma reputação de ferro e atua em uma importante empresa de lobby. Ao ser procurada pela indústria bélica para atuar contra uma alteração na lei do porte de armas, ela decide trabalhar para o lado oposto e passa a representar o grupo que busca o endurecimento das leis para o armamento de civis. O filme não busca uma figura heroica, fica claro que ela não parece ter um interesse moral na causa, desejando apenas alcançar um objetivo que parece inalcançável. E para isso, se utiliza de artifícios de padrão éticos bastante questionáveis.

O público nem precisa estar muito atento para perceber que o filme não é sobre o porte de armas, mas sobre todos os tons de cinza que existem entre o preto e o branco. Não existe a dicotomia entre bem e mal que a maior parte da sociedade ingenuamente acredita estar presente na esfera do poder. A mensagem (jogada sem nenhuma camuflagem) é que no jogo político, todas as decisões são tomadas a favor do interesse de um indivíduo ou grupo e o bem comum pode ser apenas a consequência do combustível que move mentes ambiciosas.

Apesar de pecar em algumas situações (alguns podem dizer que ao utilizar narrativas explicativas, Madden subestima o poder de interpretação do público), Armas na Mesa é uma obra prima principalmente por ir ao encontro do momento de idolatria à pós verdade no qual estamos inseridos. Além de ser cativante e atual, o filme nos brinda com um personagem complexo e real que na interpretação de Chastain, conquistou uma merecida indicação ao Globo de Ouro.

Por Lis Claudia
06/02/2017 16h27