“Amor pela vida cotidiana”: entrevista exclusiva com Tony Ramos e Denise Fraga, da peça “O Que Só Sabemos Juntos”

Tony Ramos e Denise Fraga no espetáculo O Que Só Sabemos Juntos. Foto: Cacá Bernardes/Bruta Flor.
Foto: Cacá Bernardes/Bruta Flor

A vida é dura pra caramba, mas é rica”, conta Denise Fraga, explicando seu mais novo trabalho. A atriz, que celebra 40 anos de teatro com o espetáculo “O Que Só Sabemos Juntos”, deu uma entrevista exclusiva ao Curitiba Cult ao lado de Tony Ramos, seu colega de cena. Os dois dividem o palco pela primeira vez, em uma peça que marca ainda o retorno de Tony ao teatro depois de 20 anos.

Os artistas falam pouco sobre a história da peça. Contudo, preferem revelar os seus significados e discussões. O texto inventivo permite o improviso e a interação com a plateia. Afinal, como o título diz, é da troca que se descobre o outro, entre o falar e o saber ouvir. “O Que Só Sabemos Juntos” terá duas sessões em Curitiba, dias 14 e 15 de fevereiro, no Guairão, às 21h. Ingressos a partir de R$ 50 (meia) no site Disk Ingressos.

Confira a entrevista exclusiva cedida ao Curitiba Cult:

Acompanhando a divulgação de “O Que Só Sabemos Juntos”, vocês não falam muito sobre a narrativa da peça, apesar de falar sobre os temas que ela trata. O que podem falar sobre a narrativa: como ela revela esses temas? É um espetáculo mais emocional do que narrativo?

Tony Ramos: O espetáculo é surpreendente quando se abrem as portas de acesso à plateia. Então, se você conta o surpreendente antes da porta se abrir, você está quebrando justamente a coisa mais importante e que acontece quando se abre a porta: a surpresa do que virá depois, com esse pequeno elenco, dois atores. Tecnicamente, vai ser a história de um casal naquele começo de vida, que está dando certo, tentando novas coisas na sua vida, mas com questionamentos embrionários. Ele, vê-se que era um executivo e está desempregado e ela, empregada, e tudo isso vai criando um tipo de inquietação.

Como se dá essa interação durante a peça?

Tony Ramos: O espectador olha [essa história do casal] e fala: ‘então agora é a peça, isso aqui é a peça, a história desse casal em vários momentos’. E aí ele vê que não é só isso. Ele vê que a peça começa a mexer com ele, e convidando-o a opinar, a participar, mas sem constrangimento. Não há aquele negócio de número de plateia, não é isso. Não é stand up, não é um momento em que você vai lá e constrange o espectador. Em nenhum momento isso acontece. Ele, espectador, inteligente que é – nunca subestimemos o espectador – ele percebe: ‘opa, eu faço parte disso agora. Mas estou tranquilo, porque ninguém está me constrangendo’. Então, é difícil explicar esse texto, esse espetáculo e o fenômeno que ele é por onde passou.

Como surgiu a ideia desse espetáculo? E por que voltar aos palcos agora, depois de 20 anos dedicados a outros trabalhos como filmes e novelas?

Tony Ramos: O que me inspirou a estar no grupo com Denise, Luiz (Villaça) e [José] Zé Maria [idealizador e produtor do espetáculo], foi justamente ter assistido ‘Eu de Você’. Espetáculo em que Denise sozinha, mais uma orquestra, dominando o palco, tratava de casos verídicos, cartas de pessoas. De mais de 500 cartas, foram selecionadas algumas, da vida real, e ela interpretando aquelas cartas e convidando o público, em algum momento, a ler partes das cartas. Quando eu assisti a primeira vez em São Paulo, antes da pandemia, eu fiquei encantado com aquilo. Eu disse: ‘Meu Deus, que momento novo em teatro’. Após a pandemia, eles vieram ao Rio de Janeiro, eu quis assistir de novo, tão empolgado fiquei. Fomos jantar depois, e eu disse: ‘Se alguma coisa me fará voltar ao teatro depois de 20 anos, para um espetáculo, não exatamente esse, mas que tenha uma proposta que, de alguma forma, invada o surpreendente, que invada o inquietante diante ao público. Que proponha não um desconforto desagradável, mas uma quebra da rigidez de um corpo ao dirigir um espetáculo. E isso vocês têm de sobra. Eu fiquei encantado com o que vocês fazem. Pense aí, se vocês tiverem uma ideia…’. Não deu três meses, Luiz me ligou, dizendo: ‘tenho uma ideia, absolutamente embrionária ainda, que envolve isso, isso, isso. Vai pensando em poemas que você goste, em autores que você goste’.

Denise assina o texto com Luiz Villaça e Vinicius Calderoni. Como foi escrever esse texto, pensando que ele também dá espaço para interação com o público e improviso? O texto passa por muitas referências, de bell hooks a Tchekhov, por esse lado de entender as relações humanas. Como é escrever a peça e depois construí-la no palco com Tony Ramos?

Denise Fraga: Tanto ‘Eu de Você’ quanto ‘O Que Só Sabemos Juntos’ são peças que foram assim: a gente nunca sentava numa mesa para escrever, nem separados, nem juntos. Talvez a gente tenha se aventurado numa nova forma de fazer teatro. Improvisamos várias coisas sobre a provocação do Luiz, sobre temas que a gente quer falar. A gente traz textos que nos inspirem, que nos inquietaram. É uma peça fruto da nossa inquietude, e também desse encontro maravilhoso entre eu e Tony. São criadores juntos – Tony e eu, Vinicius, Luiz, dirigindo e colocando essa estrutura. O que é bonito é que a gente mesmo se surpreende com o processo, e a coisa vai ficando maior do que a gente pensava. E tem que achar uma forma pra que todos aqueles pensamentos que a gente vai tendo durante, e as coisas que elas florescem a partir do encontro. Isso é muito bonito.

Tony Ramos e Denise Fraga no espetáculo O Que Só Sabemos Juntos. Foto: Cacá Bernardes/Bruta Flor.

Tony Ramos e Denise Fraga no espetáculo “O Que Só Sabemos Juntos”. Foto: Cacá Bernardes/Bruta Flor.

 Como tem sido a recepção do público a esse formato inovador da peça?

Tony Ramos: Nós colocamos quatro sessões em Porto Alegre (RS). Acima de 6400 pessoas em quatro sessões, então foi uma coisa muito bonita que aconteceu conosco. Uma coisa absurda. E assim foi em Belo Horizonte (MG), em Brasília (DF), assim foi no Rio de Janeiro (RJ). Então, a gente foi entendendo e querendo entender, e não entendendo, esse fenômeno nosso. É uma sucessão de alegrias com esse espetáculo que não dá pra ser contado antes. ‘Ah, o espetáculo é esse; começa assim, passa por aqui, termina assim’, não é assim. É esse o sabor principal e é esse o segredo de nosso espetáculo.

Denise Fraga: A peça é um acontecimento, a gente vê como a peça toca as pessoas. A peça virou essa coisa que, aonde vai, lota, as pessoas vão de novo, levam suas mães, seus maridos, ‘fulano precisa ver’. É muito bonita essa coisa da recorrência que a peça criou. Porque ela tem também essa requisição de presença. Essa percepção de que estamos todos ali, nessa experiência coletiva única que se chama teatro, nessa experiência coletiva que alia um foco comum no que estamos nos propondo a ver ali, mas que abre uma reflexão conjunta.

O teatro requer presença, atenção, vai na contramão do imediatismo. Como isso é incorporado no texto, que traz também essa discussão?

Denise Fraga: Arrisco dizer que o teatro está ficando cada vez mais precioso. Acho que as pessoas vão ficar cada vez mais indo ao teatro na busca desse lugar que, quando você propõe ao espectador, tem gente que nem consegue mais desligar o celular, dá aquelas olhadinhas. Mas a proposta do mergulho, a proposta de que aquilo não é um show que ela vai ficar filmando, o teatro propõe um mergulho. E ele tem levado as pessoas a um lugar que elas não conseguem mais ir sozinhas.

Tony: Tem uma coisa que eu tenho brincado muito até com colegas, como é que o espectador sai, e eu digo: ‘no mínimo, em busca de reflexões, e sabendo que não basta dar um Google aí’.

Denise Fraga: A gente escuta muito isso. Esse agradecimento por esse lugar onde a gente se percebe ali todos juntos, onde a gente está. O nome da peça é muito propício, ‘O Que Só Sabemos Juntos’, e a gente fala muito dessa presença, dessa escuta, dessa memória coletiva que todos temos, do que nos faz, do que nos constrói.Vivendo em sociedade, eu sou construída a partir de você, você é construído a partir de mim. E isso é um embriãozinho do espetáculo que é, como dizem, faiscante. Na medida em que você começa a abrir isso, você vê as pessoas fazerem isso, elas pensando. É uma peça que tem dado uma alegria danada pra gente.

A peça traz diferentes tipos de discussões que levam a reflexões por parte do público. Como isso se dá dentro de gêneros dramáticos: é comédia ou drama? Como unir esses dois estilos em um projeto que toque as pessoas?

Denise Fraga: Quando a gente estava ensaiando eu falava ‘não precisa ter final feliz, aliás, eu não gosto de final feliz’. Aquela coisa cor de rosa, eu não gosto, porque a gente fica assim: ‘a vida é bela’. A vida não é bela, a vida é dura pra caramba, mas a vida é rica. A vida é fascinante ainda. O que a peça dá é uma vontade de viver nas pessoas. De estar no jogo, de pensar suas relações, de pensar sua trajetória.

Tony Ramos: ou de repensar tudo isso.

Denise Fraga: E a coisa que a gente mais gosta, acho que o Tony também tem esse amor que eu tenho por esse terreno entre o humor e o drama – e eu acho o humor muito revolucionário porque ele é um ingrediente muito poderoso para a comunicação. Acho que, o que eu sinto, hoje, a coisa que mais amo é fazer alguém se divertir, fazer alguém rir, ter seu momento de lazer, mas ao mesmo tempo, essa pessoa ir embora para casa em estado de reflexão.

Tony Ramos: Nós temos muito humor no nosso espetáculo. Acachapantes momentos de humor. Nós temos um espetáculo que é um grande achado. Falamos a sério, com seriedade, sem ser didáticos ou chatos, e consequentemente, a gente tem o happening com o público.

Denise, em trabalhos anteriores, como “Retrato Falado”, lembrado até hoje pelo público, você já trazia discussões sobre se colocar no lugar do outro. Tony também tem diversos trabalhos que representam isso, desde personagens de novelas de diferentes culturas até  o filme “Se Eu Fosse Você”. A alteridade é um tema que parece recorrente nessas trajetórias. Como isso vai sendo construído para culminar nesse espetáculo?

Tony Ramos: acho que vai somando, vai somando. Porque a única coisa que culmina de fato é o dia em que você chegar com um novo texto, num novo momento e dizer: ‘e eu que achei que já tinha culminado em tudo e de repente descobri isso aqui’. Mas sem dúvida ‘O Que Só Sabemos Juntos’ é um complemento absoluto de tanta coisa, de tantos momentos que eu vivenciei na minha profissão, de 60 anos e meio.

Denise Fraga: é lindo isso, o que é culminar? Porque, se Deus quiser, a gente culmina semana que vem (risos). Mas o que eu digo é que tem uma coerência, é verdade, nesse nosso amor também. Eu e Luiz sempre trabalhamos com a história cotidiana, a gente tem um amor pela vida cotidiana, pelo humor cotidiano. Uma peça é ‘Eu de Você’, e agora é ‘O Que Só Sabemos Juntos’, é como se a gente só fosse se fortificando nessa ideia de que a gente é melhor com o outro, de que a gente se faz a partir do outro, que é nosso convívio e disponibilidade para se deixar permear pela vivência do outro. Ela com certeza faz a gente evoluir e nos constrói melhor.

SERVIÇO – Espetáculo “O Que Só Sabemos Juntos” em Curitiba

Quando: 14 e 15 de fevereiro de 2025 (sexta-feira e sábado)

Horário: sessões às 21h

Onde: Teatro Guaíra – Guairão (R. Conselheiro Laurindo, 175)

Quanto: de R$ 50 (meia) até R$ 240 (inteira), variando conforme setor e modalidade

Ingressos: no site Disk Ingressos.

Por Brunow Camman
04/02/2025 09h00

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