“Qual é a sua banda preferida?”. Pergunta difícil. Afinal, muitas coisas devem ser levadas em conta para responder algo assim. Bem, quando me perguntam eu já digo que sou daqueles que sabem que os Beatles foram os melhores. É bom ter uma resposta na manga – eventualmente alguém vai perguntar isso. Mas, na verdade, existem muitas formas de encarar essa história. Por exemplo, qual banda seria a sua banda ‘melhor amigo’? Essa aí eu respondo fácil. Blindagem.
Veja nos olhos as durezas que o mundo nos dá para carregar. Veja, também, o amor. Afinal, se a gente se perde na vida, pode se encontrar nos sonhos. E é assim, com o Ivo Rodrigues, o Paulo Teixeira e, ao vivo, com o Alberto Rodriguez, se revezando nos primeiros versos de ‘Oração de Um Suicída’, que começa o primeiro primeiro disco do Blindagem, lançado em 1981. A formação clássica da banda ainda conta com a precisão do baixo do Paulo Juk e com a força da bateria do Ruben ‘Pato’ Romero. É importante dizer que o Blindagem já existia antes desse disco, com outras formações, e que o batera dessa gravação foi o Mário Júnior. ‘Oração’, uma das parcerias com o Leminski, é um hino que anuncia que pela frente vem um discão. Fico feliz por já ter perdido a conta, há muito tempo, de quantas vezes pude cantar essa música assistindo aos shows do Blindagem.
Ah, os shows do Blindagem! Lembro daquela quarta-feira, num bar lá no Água Verde, em que vi meu primeiro show deles. O lugar estava bem cheio e só conseguimos uma mesa atrás de uma coluna. E, mesmo assim, foi incrível. Foi ali que eu comecei a seguir o Blindagem com mais carinho. Imagine só, a primeira vez que ouvi falar sobre a turma do pinéu! ‘Sou Legal’, com sua pegada reggae em mais um poema do Leminski, já foi até hit entre imigrantes nos EUA. Canções de amor, daquelas lindas, também são marca registrada do Blindagem. ‘Não Posso Ver’ é aquela música para dizer para alguém: “eu quero te amar”. Já ‘Palavras’ é aquela para provocar: “você sabe que me ama”. Rimas, acordes e clima certo para cada romance que a gente encontra. E ‘Hoje’? Bem, ‘Hoje’ talvez seja a minha música preferida. Quando o Ivo canta “hoje eu nasci” cresce um sentimento de liberdade. Não se engane, essa música é uma pancada.
Repare na capa do disco: incluindo ‘Verdura’. “Verdura” é um poema do Paulo Leminski que ficou famoso ao ser gravado, com aquela pegada baiana, pelo Caetano Veloso. E foi também por causa da versão do Caetano que a gravadora não lançou a original na época. Anos depois, numa reedição do disco, ‘Verdura’ foi lançada com o baixão do Paulo Juk, muito swing nas guitarras e, é claro, com o sol de Copacabana. ‘Marinheiro’, que é um dos maiores clássicos da banda, é sobre ser o que quiser neste mundo cheio de formas para nos encaixarmos. Imagino como devia ser difícil ser roqueiro na Curitiba dos anos 1970.
Algumas das experiências musicais mais intensas que tive foram assistindo ‘Gaivota’ sendo executada ao vivo. Aquela vez no Teatro Guaíra, quando a Orquestra Sinfônica do Paraná e o Blindagem se juntaram para quebrar tudo, por exemplo. A cada compasso que se passava, mais preso à minha cadeira eu ficava. A música é intensa. Penso, naturalmente, no voo de uma gaivota. Às vezes tranquilo, às vezes turbulento. E também tem as tempestades. E ela chega na parte final, com o solo do Paulo Teixeira e as viradas da bateria do Pato nos levando para longe. Acho que é por isso que nos pedem calma. E Blindagem também é protesto! O chato é que quase 35 anos depois continuamos perguntando ‘Quanto Tempo Mais?’. E tente não cair da cadeira com esse trecho ao vivo do Ivo destruindo. ‘Cheiro do Mato’ é amor, saudade e natureza. Ela é meio caipira, tem até a passarinhada cantando. É uma conversa olhos nos olhos com a vida. O disco começou, como eu disse, anunciando que seria especial. E termina tão forte quanto. ‘Se Houver Céu’, só com a voz do Leminiski, é uma pérola.
https://www.youtube.com/watch?v=4-8CSrShPUI
A herança do Blindagem para a nossa cultura é incalculável. Além de reunir alguns dos nossos maiores gênios criativos, até hoje são inspiração para muitos. E quando reunimos bandas como Trem Fantasma, Escambau, Mordida, Magaivers, Black Maria, tão legais e com estilos tão próprios, percebemos que a herança do Blindagem será forte por muito tempo. E se você, por um azar na sua vida, acha que o rock curitibano não existe, recomendo que compareça a um show da Gripe Forte, no qual os hits de bandas como Relespública, Faichecleres, Pelebrói Não Sei? e, também, do Blindagem, são cantados e dançados por muitos doidões. Recomendadíssimo.
Falar de Blindagem é especial. Comecei a gostar deles na mesma época que comecei a gostar de verdade de rock, e foi aí que muita coisa mudou. O mais legal é que eu não sou o único. O Blindagem tem uma legião de amigos, e por isso vejo eles como um elo importante na ligação entre Curitiba e os curitibanos – cidade e povo difíceis, reservados e loucos por viver. Tenho muito orgulho em ter neles um dos nossos maiores patrimônios. As músicas, os discos e os repertórios dos shows do Blindagem, com sonzeiras desde os anos 1980, fazem parte de mim e de todo curitibano. E sou grato por isso. Até hoje, com os vocais de Rodrigo Vivaz desde que o eterno Ivo deixou esse plano, o Blindagem segue sua história junto com a gente.
Falar tanto assim de Blindagem até aperta meu coração de saudade. Posso ficar muito tempo sem ver um show ou passar dias sem escutar uma música que reencontrá-lo sempre é especial. Amigos. Sabe como é.
https://www.youtube.com/watch?v=Ya4R7ZswMwA
E aí, curtiu os sons? Explore os links e desvende mais músicas! Tem alguma dica de discão ou sonzeira? Comente! A música boa é infinita
Nos vemos semana que vem!
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