Brasil, um país de Genis

Por algum motivo, ou talvez por todos os motivos do mundo, acordei com “Geni e o Zepelim” de Chico Buarque na cabeça nesta semana. Depois de tantas notícias amargas e difíceis de engolir, acabei por perceber que, em vez de estarmos no futuro de Martin McFly, nos encontramos na fogueira de Joana D’arc. Ou no Rio de Janeiro da Ópera do Malandro, na pele da travesti Geni. Ela representa não só a hipocrisia desta nossa sociedade doente, mas um pouco de todas nós mulheres — diariamente apedrejadas.  Já alerto que, assim como a vida, o texto é cheio de ironias. Vamos aos fatos:

Horror e iniquidade de quem?

A semana começa com a discussão pífia do quão ofensivo é chamar uma travesti de “traveco”. Vi discussões acaloradas sobre o tema que nem deveria estar em pauta. Mas o que esperar do país que mais mata transexuais e travestis no mundo? Que admita a verdadeira intenção opressora de uma palavra? Ou continue vivendo na hipocrisia do país cordial? Jogamos pedras nas Genis, continuamos matando Genis e tão descaradamente que nem uma coisa simples como extinguir um termo preconceituoso queremos fazer. Ah, malditas Genis.

Entre todos os outros escândalos e preocupações que devemos demonstrar pelo nosso país neste momento, discutiu-se um projeto de HETEROFOBIA (sim, em caixa alta mesmo). Como bem li na internet, acho que será ótimo salvar a vida de um total de 0 héteros que foram assassinados por conta de sua orientação sexual.

Puta!

Como se não fosse o suficiente, a Comissão de Constituição de Justiça da Câmara (CCJ) aprovou o projeto de proíbe a venda de “meios abortivos” (as aspas são minhas) como a pílula do dia seguinte. O aborto é proibido e criminalizado no Brasil e as substâncias nunca puderam ser adquiridas de forma legal. Agora, os nossos nobres deputados – homens, diga-se de passagem – decidem o que bem entendem sobre a vida das mulheres. Resumindo: de acordo com o projeto, um farmacêutico pode se recusar a vender uma pílula do dia seguinte se isso lhe afetar a consciência. E se a mulher tiver sido estuprada? Basta levar o Boletim de Ocorrência, já que o atendimento nas Delegacias da Mulher é tão eficiente que as mulheres não podem nem entrar no recinto com seus filhos. Joga bosta nas Genis! Elas dão para qualquer um, malditas Genis.

Vai com ele, vai Geni

Para colocar a cereja do bolo – com o perdão do trocadilho –, quando uma garota de 12 anos (DOZE ANOS) faz parte do Masterchef Júnior, tem macho sexualizando a menina como se esse comportamento fosse absolutamente normal. E o pior é que é absolutamente normal. Assustadoramente normal. O Coletivo Think Olga lançou a campanha #PrimeiroAssedio e o resultado é surpreendente. Os primeiros assédios, com seis, sete, nove anos.

A sociedade insiste em esconder esse problema chamado machismo, tão enraizado e  causador de tanta dor entre as mulheres.  Vamos pensar: Logo cedo, as garotas são sexualizadas, assediadas e abusadas. São, na maioria das vezes levadas a crer que homens são assim mesmo, e que deve suportar aquilo calada, servir aos homens. Ah, benditas Genis! Nos salvam de falar sobre o assunto. Puta! Ah, Precisou de pílula do dia seguinte? Ish, não segurou as pernas fechadas. Puta! Foi estupro? Estava vestida como uma piranha, no mínimo. Engravidou? AH, além de puta é burra. Joga mais pedra! O pai? Não tem, não se sabe. A responsabilidade é só dela mesmo, homens são muito imaturos. Se vira com as pedras da vida, Geni. Nasceu, é uma menina! E o ciclo se repete…

É, minas, a semana foi difícil para nós. Mais pedras em todas – mulheres cis e transgênero, lésbicas e heterossexuais. Pensam como sempre pensaram: que somos, de fato, feitas para apanhar, boas de cuspir. Enquanto isso, os bispos de olhos vermelhos, prefeitos e banqueiros com milhões continuam decidindo sobre nossas vidas.  Mas, para não sair do clima Chico Buarque, apesar de Cunhas, bancadas evangélicas e hipócritas de plantão, amanhã há de ser outro dia. E eu vou morrer de rir que esse dia há de vir antes do que eles pensam.

Força!

Por Laura Beal Bordin
27/10/2015 09h20