Ligando a TV

O Rock tem alguns templos em Nova Iorque. Fillmore East, que recebeu shows inacreditáveis como do Allman Brothers Band e do Jimi Hendrix. Madison Square Garden, casa de shows lendários do George Harrison e do Led Zeppelin. The Apollo, onde James Brown incendiou o mundo com seu funk. Cada um desses lugares, com a ajuda dos gênios que passaram por lá, construiram uma história única e se tornaram lendários. Uma cidade tão intensa e cultural cria vários lugar especiais. Em 1973 nascia um local que se transformaria em algo que nem mesmo seu criador esperava.

A história conta que um grupo de amigos estava procurando um lugar para fazer shows quando encontraram um bar chamado CBGB e foram conversar com o seu dono. Quando Hilly Krystal, o proprietário, disse que o nome do local era uma sigla para Country, Blues Grass e Blues, eles o convenceram que sim, esse era o som que eles faziam. E, assim, em 1974 o Television estreiava nos palcos do CBGB e levava o punk para um dos seus lugares mais sagrados.

Durante alguns anos, o Television, entre ensaios e shows no CBGB, afinou seu som. Nesse período, Richard Hell deu lugar ao baixista Fred Smith, que se juntou ao baterista Billy Ficca e aos guitarristas Richard Lloyd e Tom Verlaine. O Television, assim como outras bandas que também frequentavam o CBGB, provam que é difícil definir uma sonoridade para o punk. Em 1977, o Television entrou em estúdio para gravar o seu disco de estréia que se tornaria um clássico que influenciaria a muitos: Marquee Moon.

Esse disco tem algumas características que o tornam único. Primeiro, é importante dizer que ele foi precedido de um longo e intenso período de ensaios. Isso permitiu que a gravação ao vivo do disco transmitisse a harmonia presente entre seus membros. Algo determinante num álbum ousado, com músicas longas onde todos os intrumentos conversam naturalmente. A cozinha de Ficca e Smith é sempre firme e presente e dão o espaço perfeito para as incríveis guitarras desse disco. Verlaine e Lloyd mostram uma sintonia ótima. Verlaine, maior responsável pelas composições e pela voz, mostra enorme habilidade na construção de riffs e harmonias e Lloyd sola explorando notas e sonoridades ímpares. Não que um ou outro seja responsável pelos solos, são dois guitarristas incríveis que conseguem utilizar com maestria as suas habilidades em conjunto. Duas guitarras sendo usadas como se deve usar.

Quando apertamos o play e escutamos ‘See No Evil’ já percebemos que o pessoal do Verlaine não foi exatamente sincero com o Hilly Krystal: um riff poderoso, cozinha precisa e intensa, Lloyd solando e Verlaine cantando um ótimo refrão. Imagino que o Krystal tenha se conformado com a ausência do country. O disco ainda tem outras pancadas. ‘Friction‘ também trás um riff forte e um clima de uma perseguição. O jeito de cantar combinado com o arranjo das guitarras, que misturam ruídos, notas e efeitos são amostras do som dessa banda. Em ‘Venus’ temos mais disso. O arpejo da guitarra ajuda a explicar a sensação de se apaixonar para cair nos inexistentes braços da Venus de Milo.

Em ‘Prove It‘ encontramos um som que conversa com o reggea, com Verlaine questionando um caso sem solução e encerrado. Já na balada ‘Guiding Light‘, além das teclas, temos guitarras que às vezes também soam como um piano. O Television também anda por sonoridades sombrias. A quebra no refrão de ‘Elevation‘ – um exemplo da habilidade deles em criar linhas de baixo e de guitarra que se completam – é a sensação de vertigem numa música. ‘Torn Curtain‘, a música que fecha o disco, é o apice da tensão. A bateria e o baixo caminham em direção ao refrão que, com seus backings vocals, criam um ambiente sinistro.

O ponto alto está na faixa que dá nome ao disco. ‘Marquee Moon’, com seus quase 11 minutos, é a prova da genialidade do Television. Ficca gravou a bateria do take utilizado no disco pensando que eles estavam apenas ensaiando. O resultado final revela a grande forma e afinidade pela qual a banda passava. Verlaine conduz a música com a sua guitarra que reveza os tempos com o baixo, criando um riff que caminha firme e crescente. A música tem seus momentos de jam, onde o solo de guitarra vai se construindo junto com a bateria, que arrisca cada vez mais ao desenrolar da música. Uma música que se desenrola com muitas intenções e que é capaz de nos envolver cada vez mais a cada minuto que passa. É um ótimo exemplo das qualidades do Television.

Ramones, Talking Heads, Patti Smith, Blondie. Todos fundadores do punk que cresceu no CBGB e cada um com seu som. O Television e sua sonoridade misteriosa e atraente é uma banda única. O Marquee Moon fez sucesso no Reino Unido, nem tanto nos EUA, mas hoje é reconhecido como um marco para muita coisa que veio depois dele. É um discão de uma baita banda. Hora de ligar a tv.

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https://www.youtube.com/watch?v=BP6O681KolA&l

Por Vinicius Vianna
30/06/2015 13h00