Crítica: Visuais deslumbrantes não salvam mediano “Nosferatu” de Robert Eggers

Nosferatu 2024. Foto: Reprodução.
Foto: Reprodução

O desejo sombrio que percorre as cenas de “Nosferatu” (2024) traz momentos impressionantes à tela. Mas não se sustenta por si só, deixando o mais recente trabalho de Robert Eggers aquém da carreira que o diretor norte-americano veio construindo. O longa-metragem é um remake de um clássico do cinema, mas tem poucas novidades a dizer. “Nosferatu” estreia no Brasil no dia 02 de janeiro de 2025.

Clássico

No tempo do cinema mudo, “Nosferatu” foi um marco na época do lançamento, em 1922. A adaptação livre do romance “Drácula”, de Bram Stoker (que chegou a ser processado pela viúva do escritor, por não pagar direitos autorais), é um dos mais influentes filmes de terror. O uso de luz e sombras e o mistério sobre a natureza da criatura ajudaram a elevar o “Nosferatu” original ao status de um dos maiores filmes na história do cinema.

O diretor Werner Herzog lançou, em 1979, sua adaptação do clássico. Essa versão consegue trazer novos temas, da decadência da burguesia ao desejo latente da personagem principal, de forma genial. A interpretação de Kalus Kinski do vampiro é perturbadora e marcante. Nasceu outro ícone do cinema. Mas esse não parece ser o caminho da adaptação de Eggers.

Novo remake

Robert Eggers é um diretor muito eficaz, tanto em narrativa quanto em imagens marcantes. “A Bruxa” (2015) é um novo clássico, com narrativa bem construída de forma original, cheia de referências e um desenvolvimento genial para criar o clima de terror. O diretor afirmou ter passado dez anos buscando produzir sua releitura de “Nosferatu”, um de seus filmes favoritos. E sua filmografia mostra como o original o marcou como diretor.

E é possível ver, especialmente na parte técnica, essa paixão de Eggers pelo clássico. Cenários escuros e magníficos vão se apresentando desde o começo. A sombra do Conde Orlok nas cortinas se aproximando da inocente Ellen cria uma promessa na trama. Enquadramentos interessantes e assustadores ajudam a manter o clima sombrio. Corpos em putrefação, rituais demoníacos e sons guturais ajudam na criação da atmosfera ideal do filme.

Infelizmente, tem alguns “jump-scares”, coisa que um diretor eficiente como Eggers não precisaria usar. O longa já se propõe a algo diferente, então certas escolhas criam um desvio de atenção.

Atuação

A atuação fraca de Lily-Rose Depp nivela por baixo todo o filme, e parecem que seus companheiros de cena acabam a acompanhando. A busca por uma unidade de atuação partindo da protagonista é um tiro pela culatra, diminuindo a intensidade dos jogos de cena. Ainda assim, atuações marcantes de Simon McBurney e Willen Dafoe (especialmente quando não estão contracenando com Lily-Rose) surgem em cenas sombrias. Há uma tentativa de Eggers de buscar o teatral do cinema mudo, mas a atriz não alcança o nível necessário para tornar essa linguagem interessante.

O filme traz um tema que já foi muito elaborado ao longo dos anos nas adaptações de histórias de vampiros. O desejo desenfreado que pode levar ao lado mais sombrio de uma pessoa é latente. Isso não é novidade, ainda mais em um ano em que produções como a série “Entrevista Com o Vampiro” conquistou mais público, trabaçhando melhor esses temas. Comparando com o “Nosferatu” de 1979, com Isabelle Adjani, deixa muito a desejar. O subtexto que caminha entre desejo e morte é melhor trabalhado no filme setentista.

Novidades

O bom uso de mitologias da Europa oriental é um ganho para o filme. Consegue trazer novidades e mais aprofundamento à narrativa, sem se perder em tentar explicar a criatura. Esse talvez seja o maior ganho do remake – uma vez que a fotografia marcante era o esperado desde o início. Algumas discussões entre os personagens sobre a natureza do mal quase são interessantes, mas se perdem quando Eggers lembra do teor sexual que se propôs desde o início.

A princípio, parece que o diretor quis tratar cada personagem de forma diferente em relação ao Conde Orlok, o que poderia ter funcionado. O vampiro sendo usado como um símbolo de desejo e horror, como a atração pelo abismo obscuro da alma, teria sido interessante, num roteiro melhor trabalhado e com atuações melhor desenvolvidas. A escolha do diretor de mostrar pouco da criatura reflete, desse modo, essa tentativa.

Ellen se torna uma personagem fraca quando o diretor não sabe trabalhar melhor suas intenções e seu passado. E, sendo ela o guia da narrativa, enfraquece uma jornada que, visualmente, é marcante e criativa.

Por Brunow Camman
30/12/2024 10h00

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