95 de quadril e 55 de perímetro cefálico

– Qual é a coisa que você mais gosta em mim?

– Você é inteligente. 

Perdi o chão.

Eu estava perfumada, com a pele macia, de batom, brincos, unhas feitas, roupa bonita, de bom humor, cabelo limpo. Aí a pessoa vem e fala do meu intelecto? Não estava preparada. Porque nós, mulheres, estamos acostumadas a lidar com os elogios comuns. E já temos até as respostas prontas para eles.

– Linda.

– Para, exagero seu.

– Wow! Que roupa bonita.

– Ah, baratinha, comprei numa promoção faz tempo. Tava lá esquecida no armário.

– Você vive de bom humor, hein menina?

– Fazer o que né? Rir pra não chorar. 

– Nossa. Que bronze, gata. 

– Vê lá. Passei dois dias na praia. Só deu pra tirar o bolor mesmo.

E por aí vai. Parece que estamos sempre com uma raquete na mão prontas pra mandar longe qualquer elogio que a gente receba, sem saber acolher o reconhecimento às nossas qualidades.

Fora que, nesse mundão machista, a gente quase só recebe e, se reparar bem, quase só faz uma à outra, elogios à aparência. Linda. Gata. Poderosa. Gostosona. Maravilhosa. É o que mais se ouve e o que mais se diz em matéria de qualidades femininas. Outro elogio comum é a gente falar que a amiga é guerreira, forte, batalhadora, quando lá no fundo o que estamos querendo dizer é: você não merecia se fuder tanto nessa vida, minha amiga.

Sobre esse tema, em 2019, um grupo de cientistas, da Universidade de Copenhague, analisou mais de três milhões de livros escritos em inglês e publicados nos últimos cem anos. Um trabalho de campo descomunal, que examinou 11 bilhões de palavras e comprovou que a linguagem utilizada em romances é sexista. A correlação entre gêneros e predicados tem um padrão: as palavras mais utilizadas para descrever as mulheres são: bonita, encantadora, linda, sexy, solteira. E para descrever os homens são: racional, justo, pacífico, honrado, corajoso.

Fica a reflexão sobre os adjetivos e o poder que eles têm no comportamento humano. Não precisamos deixar de falar da beleza física. Mas o que não pode mais ficar de lado é o reconhecimento às competências intelectuais das mulheres. Como por exemplo: “o que eu mais gosto em você é a sua inteligência”, que tomei na lata e perdi o chão. Sem chão, eu flutuei. Depois voei. Porque foi o elogio mais estimulante que já recebi. E olha que eu não tava feia não.

Por Luciane Krobel
01/11/2021 18h39