Jenny contava sobre quando sua vida não tinha muito sentido. Nada acontecia, nada era capaz de tira-lá da cama. Tinha vezes que era difícil de levar as coisas, às vezes o tédio não a deixava sair do lugar. Nem mesmo ligar o rádio, dizia ela, a fazia se sentir viva. Até que um dia tudo mudou. Nesse dia ela encontrou algo a mais. E, mesmo com todos os problemas e durezas que insistem em aparecer, ela começou a dançar ao som daquela música incrível e percebeu que tudo estava bem. Yeah, baby. It’s all right. E foi assim que a sua vida foi salva pelo rock & roll.
https://www.youtube.com/watch?v=4avM0qzEF5I
Dizem que o lugar mais quente da Nova York de 1967 chamava-se “The Factory”. Lá, no estúdio fundado pelo Andy Warhol, algumas das figuras mais interessantes daquela cena se reuniam para a explorar a arte de vários jeitos e de várias formas. E, como é de se esperar de um lugar verdadeiramente artístico, ninguém era marginal. Ou – como um elogio – todos eram. Um lugar muito louco e criativo, no melhor estilo “à frente de seu tempo”. Tanto que foi para lá que o Warhol levou aquela banda que cantava sobre comprar heroína como quem conta uma história – suja pelas guitarras e pela realidade – que aconteceu esses dias. Ali o Velvet Underground começava pra valer.
“The Velvet Underground & Nico”, de 1967, “White Light/White Heat”, de 1968 e “The Velvet Underground”, de 1969, nos apresentaram ao Lou Reed, ao John Cale, ao Sterling Morrison e a Maureen Tucker. Hoje, esses álbuns são considerados revolucionários e são citados entre aqueles que “mudaram a história”. Esses três discos, cada um de personalidade própria, quebraram várias barreiras nas letras e na sonoridade. Na época, porém, a aceitação foi baixa. Os Velvets, de certa forma, sempre foram antiherois. O Lou Reed queria escrever músicas que resistissem ao passar dos anos, com letras interessantes e boas o suficiente para que um amante da literatura pudesse absorver todo o seu universo através da música. E o universo do Lou Reed ‘Rock N Roll Animal‘, que vivia testando limites e flutuando alguns centímetros acima dos demais, é incrível, pervertido e sedutor. Misture isso a influência avant garde do John Cale e temos uma banda que soa distinda o bastante para não ser sempre bem compreendida. De qualquer forma, hoje esses discos são reconhecidos e cultuados.
Por esse motivo muito pode ser dito sobre esse período de três anos e três discos. Mas em 1970 a banda vivia outra fase. John Cale já havia se afastado e o Doug Yule – que havia assumido o baixo – tinha cada vez mais importância dentro da banda. A Maureen Tucker, em licensa maternidade, também já não participava integralmente. Além desses ajustes internos, estava rolando uma a pressão em cima do Velvet para que eles gravassem um disco de maior destaque comercial. O Doug Yule mesmo diz que foi um período no qual eles estavam buscando construir hits. Tanto que a história diz que o Ahmet Ertegun, presidente da Atlantic Records, pediu um disco “carregado” de sucessos – loaded with hits – para o Lou Reed e a sua resposta foi o Loaded.
https://www.youtube.com/watch?v=yILeTWwfpDI
Num primeiro momento, essa história de ‘hits’ pode soar como uma crítica ao disco. Mas, repare bem, o erro é deixar a essência se perder. E a mesma essência de “Sunday Morning” ou de “Pale Blue Eyes” transborda no Loaded. Só que com mais groove. E, na verdade, a banda já estava experimentando essa sonoridade diferente fazia um tempo. O Doug Yule mesmo conta que ensaiar e tocar as músicas ao vivo trouxeram esse groove naturalmente. E tudo isso já fica claro quando o disco começa com “Who Loves The Sun”. Uma melodia contagiante, um refrão bom de cantar, um dia bonito de sol. Daí voce repara na letra e percebe que, às vezes, de nada isso adianta. Que coração partido realmente liga para os raios de sol?
O Lou Reed era um cara que conseguia enxergar as pessoas e os seus personagens. É como quando você conhece alguém numa noitada e, depois de meia hora de conversa, você tem a sensação de que poderia escrever a biografia daquele estranho. E o Lou Reed nos apresentou a pessoas – ou algum de seus personagens – de maneira desconcertantemente honesta. Quer dizer, eu não sei – nem o próprio Lou devia saber – se a Holly Woodlawn raspava as suas pernas. Mas a Molly, da ‘Walk on the Wild Side’, essa eu conheço bem. Consigo enxergá-la cruzando os EUA, enfrentando as suas barras, correndo atrás da sua vida. Eu, na verdade, nem sei quem é a Jenny. Mas isso não importa. Eu consigo sentir a angustia dela, consigo até imaginar o seu olhar distante. Mesmo só tendo conversado com ela por alguns versos, ela sabe de cor muitas das minhas confissões.
https://www.youtube.com/watch?v=Z4K1J2hndcQ
Essa habilidade do Lou Reed é uma das suas grandes marcas: a naturalidade e a honestidade que ele usa para falar sobre pessoas. Bem, em 1972 ele lançou o Transformer, levando temas que provocam constrangimento em alguns para o mainstream de uma maneira absolutamente natural e roqueira. No Loaded essa característica é muito presente. “Sweet Jane”, com um baita riff e com o vocal livre do Lou, é uma narrativa e nos coloca na pele daquele cara que observa e consegue até rir daqueles que estão perdidos por aí. “Oh! Sweet Nuthin’” nos faz olhar nos olhos de muitas pessoas e nos questionar sem parar: “E daí? Será que resta alguma coisa além de nada?”. Essa música fecha e, para mim, é o ponto alto do disco. Meu coração aperta de imaginar a Polly May perdida por aí, sem saber se é dia ou noite, se virando na vida assim como um gato. E Joanna Love? Que todo dia cai de paixões para, de noite, simplesmente cair. Daí a música entra na parte final, com aquele coral, o mantra ‘sweet nuthin’, a bateria comendo solta, pra tudo acalmar de novo. É demais.
https://www.youtube.com/watch?v=KNqwSwEtEVg
Esse disco tem pedradas como ‘Head Held High’ e ‘Lonesome Cowboy Bill’, tem também uma pegada blues na ‘Train Round the Bend‘ e um rock mais relaxado no arranjo de piano de ‘Cool It Down. Também tem baladas como a incrível ‘New Age‘ e a romantica ‘I Found a Reason’. Talvez esse seja o meu disco preferido*. É um discão para escutar no talo, dançar e cantar. É um discão que nos apresenta a pessoas e histórias e, assim, nos ensina algumas boas coisas. Afinal, o mundo é feito de pessoas – pessoas de verdade – que podem sim ter suas vidas salvas pelo rock n’ roll.
*Obs1: o melhor disco da melhor banda é o Sgt. Peppers – os Beatles são os melhores, o Blindagem é o melhor amigo, o Lou é o cara, e assim por diante. Os critérios são meus e não ligo se alguém acha que eles não fazem sentido.
Obs2: claro que o Lou Reed falaria mal dos Beatles. Porque o Lou Reed sairia por aí puxando o saco dos Beatles, afinal de contas?
E aí, curtiu os sons? Explore os links e desvende mais músicas! Tem alguma dica de discão ou sonzeira? Comente! A música boa é infinita
Até semana que vem!
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