Crítica – Agnus Dei (Les Innocentes)

Teve início, no último dia 16, o Festival Varilux de Cinema Francês 2016, promovido pela Aliança Francesa de Curitiba, com sessões no Espaço Itaú de Cinema (Shopping Crystal) e Cineplex Batel (Shopping Novo Batel). O Curitiba Cult, para não ficar de fora deste evento imperdível, trará nos próximos dias críticas de alguns dos filmes que estão em cartaz no circuito. Confira a programação completa aqui.

O primeiro filme de nossa lista foi selecionado para o Sundance Film Festival deste ano e já em seu título, Agnus Dei – latim da expressão católica “cordeiro de Deus” -, temos um primeiro contato fundamentado com essa história de redenção e sacrífico. No período de guerra, um convento polonês é invadido por soviéticos e as freiras que ali viviam foram estupradas repetidas vezes. O ato desumano já bastaria para que estas vivessem com a culpa de terem seu corpo e principalmente suas convicções religiosas violadas, mas a descoberta de que muitas destas engravidaram prolonga a angústia silenciada naquele local.

Mathilde (Lou de Laâge), nossa protagonista, encontra o convento neste contexto. Desmunida de convicções religiosas, ela trabalha na Cruz Vermelha atendendo franceses feridos em combate, e em um ato quase vocacional é chamada para atender uma das grávidas do convento. A jovem médica acaba se envolvendo com a dor e falta de amparo que as freiras gestantes ali encontravam e passa a questionar sua supervalorização da racionalidade.

A diretora, Anne Fontaine (Amor Sem Pecado e Coco Antes de Chanel), juntamente com a diretora de fotografia, Caroline Champetier, demonstrou um domínio da técnica cinematográfica como potencial narrativo de uma maneira pouco vista em filmes sobre o tema. E se a discussão acerca do estupro e do direito da vítima sobre seu corpo – no caso do aborto – deveriam ser debatidos apenas entre mulheres – por se enquadrarem em seu lugar de fala -, Agnus Dei é legítimo ao apresentar não apenas o elenco, mas uma equipe técnica da produção formada majoritariamente por mulheres. Este feito dialoga positivamente com a narrativa e eleva o empoderamento feminino tratado na história à metalinguagem cinematográfica.

Todos elementos técnico-narrativos parecem estar em perfeita sincronia. A fotografia escura e quase estática consegue imergir o espectador naquele universo, assim como a mise-en-scène, o som e a montagem estão alinhados para que a sensação de angústia e padecimento afetem o público.

Muito já foi produzido sobre a guerra no cinema, sob a visão de grandes diretores como Kubrick, Coppola, Spielberg e Tarantino, mas sempre visando o sofrimento e miséria do homem em combate. Aqui também temos sofrimento e miséria, mas em uma perspectiva psicológica – que remédios e curativos são incapazes de sarar. Ao resgatar o tema velado, Agnus Dei comove o espectador que compartilha da dor das protagonistas e se encontra desmunido de argumentos após acompanhar, por quase duas horas, a jornada de mulheres que sofrem com a incapacidade de se perdoarem pelos erros dos outros.

A previsão é de que o longa chegue ao circuito normal de cinemas no dia 29 de julho.

Por Rafael Alessandro
20/06/2016 20h50