Psicodália: palcos dos senhores da música (parte 1)

Um dos grandes diferenciais do Psicodália, sem dúvidas, é a quantidade de atrações e bandas de qualidade. Humano que sou, não consegui ir a alguns deles, ainda que quisesse exercer um quê de onipresença que me colocasse ao mesmo tempo em todos os lugares. Estar na Fazenda Evaristo foi, a todo momento, para mim, o que Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, definiu muito bem: eu sentia-me nascido a cada momento para a eterna novidade do Mundo.

Não foram poucos os veículos que caracterizaram várias das apresentações como históricas, e nenhum deles mentiu. Eu poderia realmente narrar cada detalhe dos espetáculos nos quais estive presente, entretanto, farei algo conciso e cujo impacto se dê pela junção de uma breve descrição, um trecho de um poema e uma imagem. Sempre vivi literatura, e acho que ela pode falar melhor do que qualquer descrição: ela pode evocar sentimentos e ativar a imaginação.

Eram dois os palcos principais, o Solar e o Lunar, ambos cobertos para o caso da chuva que nunca chegou. Além disso, havia o Palco dos Guerreiros e o Palco Livre.

Saibam, apenas, que estar no Psicodália é assistir a shows de grandes artistas sentado em frente ao palco, pulando em um canto com os amigos ou simplesmente encostado em um lugar qualquer. Poucos celulares eram vistos gravando, e as pessoas foram hipnotizadas por um bem comum: a música. O que a música uniu, o homem não separa. Vamos lá?

ELZA SOARES: MULHER DO FIM DO MUNDO

Majestosa no palco, Elza, sentada, fez as pessoas chorarem, sorrirem, pularem e sentirem o poder que emana de uma mulher atemporal. Mostrou o que a mulher deve fazer se alguém levantar a mão pra ela. Mostrou que a carne mais barata do mercado é, hoje, a que tem mais valor.

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Eis o núcleo — depois vem a criança
nascida de mulher,
vem o homem nascido de mulher;
eis o banho de origem,
a emergência do pequeno e do grande,
e de novo a saída. (Walt Whitman)

NANÁ VASCONCELOS: SENHOR DAS ÁGUAS

Naná, com seus mais de 80 anos e seus instrumentos, comanda as águas do Rio Amazonas através das bocas e palmas do público. É compositor natural, é alquimista: corpos se transformam em mais intrumentos, e a plateia, para ele, é seu coro. Com ele, se sente a unidade universal nas batidas do tambor.

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E agora, a cada noite conto as estrelas.
E a cada noite obtenho o mesmo número.
E quando elas não se mostram para serem contadas,
Conto os buracos que deixam. (Amiri Baraka)

A BANDA MAIS BONITA DA CIDADE: SORRISO NA TARDE DE SOL

Singelos, os meninos que compõem A Banda pareciam muito à vontade enquanto um público vasto aproveitava a brisa fresca de uma tarde muito, muito quente. Pessoas sentadas no chão, em cadeiras, com copos de cerveja nas mãos e dançando aqui e acolá sem compromisso. Claro que houve o pequeno fuzuê da Oração. Cabia muito bem naquele show.

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Ainda um grito de vida e
Voltar
Para onde é tudo belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe. (Drummond)

LÉO FRESSATO: ALEGRIA NA DOR

Ele começou a cantar no meio de todos, convidando as pessoas para sua apresentação maquiado com glitter e vestindo uma camiseta que dizia: Bicha! Alegrando a tarde de todos, interrompeu a felicidade e deu espaço pra sofrência. E quanta dor! Uma dor gostosa, ainda assim. Aquela nostalgia que bate de esperanças idas. Enquanto Ana Larousse afinava o violão, Fressato ensinou como fazer a pose da capa da Xuxa e arrancou risos, com muitos repetindo a faceta. Voltou à sofrência e arrancou algumas lágrimas. Léo é assim. Corta o dedo e sorri com gosto! Faz piada de coração partido, mesmo que doa.

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— “Bendito seja vós, Senhor, que o sofrimento
Concedeis como alívio à nossa perdição,
Essência divinal, suavíssimo fermento,
Que depura e conforta o nosso coração! (Baudelaire)

BLINDAGEM: REDUTO DO ROCK

Esses caras dispensam apresentações e sempre transformam qualquer canto em uma imensa reunião de rockeiros (quem não é, se transforma). Ivo esteve presente por lá, claro, e sempre vai estar: ele vive na essência da música!

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sou tão louco quanto sempre fui
eles não entendem
que não parei de me pendurar pelos calcanhares
da janela do 4° andar –
eu ainda o faço
agora mesmo
aqui sentado (Bukowski)

Encerramos essa parte da matéria, pois já está bem recheada. Logo tem mais, incluindo uma entrevista exclusiva e outras apresentações que aconteceram, além de mais atrações. Continue ligado no nosso site!

Confira também: Psicodália: festival do fim do mundo

Por Alex Franco
15/02/2016 23h30