Implosão Tchakabum: Curitiba e a Tendência de Polos Gastronômicos

Era uma vez três jovens irmãs.

A primeira todos os dias fazia bolos para vender aos viajantes que passavam pela região. A segunda vendia sanduíches de carne. E a terceira vendia hidromel. Mas como poucos viajantes passavam por ali, nenhuma delas conseguia vender muitos de seus produtos.

A primeira vendia poucos bolos e não tinha muito dinheiro. Dessa maneira, a jovem só conseguia fazer bolos simples, com frutas e sem cobertura, pois lhe faltava recursos para comprar outros ingredientes. Vendo a tristeza da jovem, a Fada do Consumo Aspiracional a visitou numa noite e disse que ajudaria a jovem a incrementar as vendas de seus bolos. Seguindo todas as dicas que a nobre fada lhe indicara, a jovem colocou um aviso na porta dizendo “Naked Cakes Deliciosos!“. Isso gerou a curiosidade dos que por ali passavam, todos interessados em conhecer essa novidade. E os bolos viraram um sucesso.

Vendo isso, a segunda irmã ficou triste, porque não conseguia vender seus sanduíches de carne. A Fada do Consumo Aspiracional resolveu também ajudar a jovem e lhe disse para colocar um aviso em sua porta dizendo “Hambúrgueres Gourmet Deliciosos!“. A jovem obedeceu e a venda de seus sanduíches foi um sucesso. Mas isso fez com que o público da primeira irmã caísse consideravelmente.

A terceira, assistindo o sucesso de suas irmãs, ficou triste, pois não conseguia vender seu hidromel. Então, mais uma vez, a Fada do Consumo Aspiracional se compadeceu e resolveu ajudar. Seguindo os conselhos da nobre senhora, a jovem colocou em sua porta o aviso “Hidromel Artesanal Delicioso!“. E a venda de hidromel foi um sucesso. Mas isso fez com que o público da primeira e da segunda irmã caísse consideravelmente.

Percebendo esse problema, a Fada do Consumo Aspiracional teve uma ideia e resolveu juntar as três irmãs na mesma porta e deu o nome de Polo Gastronômico da Fada, cobrando de cada uma delas taxas de locação e utilização do espaço. As vendas das três irmãs aumentaram consideravelmente e a Fada teve grandes lucros com essa ideia, investindo parte do montante em bitcoins.

Moral da história I: status rege o mercado.

Moral da história II: o conceito de polo gastronômico não é nada novo e inovador.

Moral da história III: invista em criptomoeda enquanto é tempo.

Desde o início da vida em sociedade, o homem tem a tendência a se agrupar para garantir a própria sobrevivência e de quem o cerca e para realizar suas trocas de comida. Na medida em que os agrupamentos humanos foram aumentando, estes pontos de trocas começaram a se tornar aglomerados comerciais, posteriormente mercados públicos, bazares, até, finalmente, tomarem a proporção de distritos comerciais centrais – o que conhecemos como o centro da cidade.

Ter em um único lugar uma grande diversidade de produtos e alimentos a sua escolha é muito mais fácil do que ir a vários lugares diferentes para encontrá-los. Esta lógica simples é a responsável pelo surgimento de ideias atuais, como, por exemplo, supermercados.

Conceitualmente, os mercadores do templo, expulsados por Jesus, são o equivalente aos elegantes vendedores do Pátio Batel. Só que a Fada do Consumo Aspiracional contemporâneo chegou dando status específicos a tudo que encontrava pelo caminho. As áreas urbanas comerciais ganharam paredes, um teto e viraram shoppings. E esses shoppings se tornaram pequenos reinos, com seus súditos determinados de acordo com o poder aquisitivo.

A diferença não está na essência, mas na finalidade.

No Brasil, a era de ouro dos shoppings foi entre 2004 e 2014. Com a classe baixa ascendendo a classe média e o poder de consumo crescendo, o número desse tipo de estabelecimento aumentou exponencialmente. Agora o e-commerce vem ganhando força no país, com preços que uma loja física não consegue cobrir, e ir ao shopping não tem mais o mesmo status de antes. Almoçar em praças de alimentação de shopping se tornou um ato de desespero e extrema necessidade.

Vendo isso, a Fada do Consumo Aspiracional teve uma ideia e num toque de mágica
ressignificou essas praças, criando espaços específicos para alimentação, mas com outra cara e novo status. A gourmetização da praça de alimentação.

Historicamente, Curitiba já tem polos importantes voltados à gastronomia, como o bairro de Santa Felicidade, o Mercado Municipal e as feiras livres realizadas em bairros da cidade. O que aconteceu nos últimos três anos foi uma tendência de criação de bunkers gastronômicos, praças de alimentação cercadas para dar à classe média a mesma sensação de segurança que os shoppings oferecerem e para delimitar seu público. Assim como o boom de hamburguerias gourmet foi reflexo da crise econômica de 2008, a crescente oferta desses polos mostra uma reestruturação do mercado e retorno do crescimento, que é quando o consumidor pode bancar um experiencia além do pão com carne e fritas.

E a recente inauguração do Fresh Live Market é o marco que define o ápice dessa tendência e, consequentemente, o início da queda.

Atualmente são 6 os reinos gastronômicos principais e com promessa de novos em breve. São eles:

Mercadoteca (2015)
Ca`dore (2017)
Mercado Sal (2017)
Vila Yamon (2018)
Mondrí (2018)
Fresh Live Market (2018)

Vê-los dessa forma, em ordem cronológica, ajuda a entender um pouco esse fenômeno. Mas é preciso perceber antes de tudo que a origem desses mercados no Brasil, além de uma tendência vista em outros países, está nos aglomerados de rua nascidos de forma não totalmente planejados.

Uma Breve História dos Fumódromos

Em 2009, a Prefeitura de Curitiba sancionou a lei que proibia o uso de tabaco e derivados em ambientes de uso coletivo. Dessa forma, todo estabelecimento precisou criar seu fumódromo improvisado com correntes de plástico, às vezes adornado com uma palmeira ou vaso de outra planta qualquer e sempre com um segurança à espreita para evitar que alguém fugisse antes de fechar a conta. A política era diminuir o número de fumantes passivos e tentar dissuadir os fumantes através do constrangimento de colocá-los em cantinhos da disciplina. Em 2010, um evento silencioso de apropriação do espaço público começou a se desenhar.

A lei antifumo de fato diminui o número de fumantes passivos, mas não fez ninguém parar de fumar. No entanto foi responsável por toda uma reconfiguração nos estabelecimentos que focavam no público jovem. Ninguém queria ficar preso num chiqueiro de 9m² para fumar, por isso baladas começaram a investir em áreas externas confortáveis e bares e público começaram a apostar na experiencia de rua, democratizando a calçada.

As Ruas Vicente Machado, São Francisco, Trajano Reis, Itupava e o Hauer Shopping foram os primeiros novos centros comerciais voltados à vida noturna e gastronômica adaptados a essa nova realidade, num processo espontâneo iniciado com hamburguerias gourmet e choperias artesanais pipocando aos montes. Para os proprietários era uma combinação de baixo custo de produção e armazenamento com uma circulação constante de público. Para o consumidor era uma variedade de estabelecimentos concorrentes habitando o mesmo espaço com a liberdade que a rua oferece.

Entretanto, como mostra a história humana, as sociedades não se adaptam muito bem a ambientes com muita liberdade e com anos os problemas nessa estrutura começaram a aparecer. Recorrentes ocorrências policiais e crimes tiraram parte do brilho dessas experiencias de rua e a Fada do Consumo Aspiracional desistiu de vender liberdade e voltou a oferecer segurança e exclusividade, mas numa roupagem mais aberta e descolada.

The Vinho Factor

A Mercadoteca foi pioneira na cidade ao usar pela primeira vez o marketing de mercado gourmet cool e reinou sozinha por dois longos anos. De difícil acesso, em bairro nobre afastado, o local se tornou o hotspot da cidade e o sucesso foi puxado por jovens de classe alta que usavam o espaço como área de convivência para tomar vinho e conversar.

Segundo o levantamento nacional dos padrões de consumo de álcool no Brasil, a porção mais rica da população consome 111% mais vinho do que a parcela mais pobre. Já a classe média prefere se encher de cerveja e na classe E o destilado é o favorito disparado. Isso confirma uma frase que eu ouvia na infância: vinho é bebida de rico, pobre bebe cachaça.

Não dá para beber vinho se não for numa taça apropriada, já a cerveja pode ser servida em copo descartável e destilado, com o marketing certo, é aceitável até em saco plástico. Isso encarece ainda mais o preço final do vinho, dá a ele status e o torna o xodó da Fada do Consumo Aspiracional. De modo grosseiro, a quantidade de garrafas e taças de vinho sobre as mesas dá uma ideia geral do público frequentador.

Quando a Mercadoteca virou sucesso no boca a boca, a classe média também queria um polo gastronômico para chamar de seu. Assim surgiram o Ca`dore e o Mercado Sal com diferença de alguns meses, apenas. O primeiro, querendo ainda competir com a Mercadoteca, apostou num design elegante, com variedade de sabores e preços, o segundo, prospectando uma nova parcela consumidora, só colocou inúmeras opções de hambúrguer no mesmo galpão de modo despojado. O acerto dos dois foi focar mais na experiencia familiar e menos no happy hour dos amigos. A venda de vinho importado diminui, mas o lucro aumentou aos barris – de cerveja e chopp, no caso.

Então veio a Vila Yamon. E com ela os problemas de mercado ficaram mais visíveis. Assim como o Hauer Shopping dificultou a vida dos bares da Vicente Machado, a Vila Yamon desequilibrou as finanças de seus antecessores. Curitiba tem mais opções gastronômicas do que público consumidor. E pior, o público se habituou ao ritmo de novidades constantes. O que é novo faz sucesso, até que algo novo surja. E surgiu. O Fresh Live Market.

Prometido desde outubro passado, o FLM é a epitome do conceito a que se propõe e um exemplo de como a máxima popular “é melhor ser rico e feliz do que pobre e triste“; faz sentido. Aprendendo com os erros de uso do espaço dos anteriores, o lugar é pensado em cada detalhe e apresenta uma estrutura física invejável. Com teto retrátil para dias de sol e disposição em J, a arquitetura do mercado gourmet é pensada para proporcionar uma experiência completa. A área da entrada é reservada para o café e a cerveja, propícias para encontros casuais rápidos, na sequência restaurantes com opções rápidas e fáceis, como cozinha mexicana e japonesa, que podem ser comidas com as mãos. Continuando, a praça central, que recebe o público com opção de vinho à esquerda ou drinks à direita, tem restaurantes com opções bem definidas. No final do J estão as sobremesas e o caminho desemboca novamente na entrada principal para um cafezinho de encerramento.

Contudo, o lugar não é infalível e há problemas como em todos os outros, mas até os problemas são chiques, pois seria possível redigir uma tese de semiótica sobre uso das cores no mercado alimentício usando o Fresh como base: quanto mais minimalista a identidade visual dos restaurantes, menos eles agradam ao público. Em algumas horas de permanência é possível perceber uma clara diferença no movimento entre o apático e super clean Nouv e o over e inusitado Soho, por exemplo. A gente primeiro come com os olhos e a embalagem é a primeira a ser comida.

Além disso, a oferta de comida perde em inventividade e quantidade para o Ca`dore, por exemplo, e se concentra em fast-food mais bonito. Ao invés de hambúrguer, pizza e espetinho, a Fada do Consumo Aspiracional colocou lá hambúrguer wagyu, pizza com trufa negra e espetinho de polvo. Mas e o vinho? Aos montes pelas mesas.

Para fechar, o Mondrí chega com sua primeira unidade e planejamento para várias outras em regiões ainda mais descentralizadas, mirando nas classes menos abastadas, algo como uma rede de centros gastronômicos.

Tudo é cíclico e quando uma tendência está no ápice do sucesso e no Instagram de todo mundo é o primeiro sinal de seu fim. A longo prazo, quem mira nas classes altas sobrevive se souber se reinventar e quem mira nas classes mais baixas consegue um publico fiel se chegar primeiro.

Era uma vez três irmãs que trabalhavam no Polo Gastronômico da Fada.

Elas fizeram muito sucesso com seus estabelecimentos que vendiam naked cake, hambúrguer gourmet e hidromel artesanal deliciosos e tiverem um lucro muito grande, mais de R$ 28 mil anual cada. Só que se esqueceram de declarar suas rendas.

Então chegou o mês de abril e o feroz leão apareceu pelas redondezas e abocanhou um pedaço de cada uma das irmãs. Debilitadas, elas não conseguiam dar conta de todo o trabalho e a qualidade dos produtos caiu, assim como as vendas e, posteriormente, o lucro.

Vendo isso, a Fada do Consumo Aspiracional vendeu sua parte do Polo Gastronômico para outros investidores e resolveu investir o lucro em um novo seguimento, deixando as três irmãs em dividas por causa de empréstimos feitos no Banco BMG.

Moral da história I: a Fada do Consumo Aspiracional dá e tira com a mesma rapidez.

Moral da história II: Não esqueça de declarar seu imposto de renda até o final de abril.

 

Por Dimis
15/08/2018 09h11