Falar é fácil, agora, você sabe mesmo desconstruir?

Todos os dias, lemos ou ouvimos discursos da nossa comunidade indicando a desconstrução como a melhor forma de combater o machismo e a lgbtfobia. Eu sou uma dessas pessoas, inclusive. Mas nem todas as vezes, essas falas vem acompanhadas de sugestões para concretizar a desconstrução.

Veja, realizar manifestações é uma estrategia de ocupação e revindicação válida, mas geralmente trazem de um teor de protesto um pouco agressivo. Isso não deslegitima o ato, mas em alguns casos espanta o alvo e não gera debate. Então, como desconstruir envolvendo os opressores? Madame Satã foi um modelo vivo de desconstrução, por exemplo. Nesse contexto, o Not Today, Satan traz alguns casos para exemplificar essa luta:

Caso da floresta

No grupo do Facebook de Comunicação Social da UFPR, as meninas do Coletivo Vitória Régia e membros atuantes da comunidade acadêmica promoveram um debate cheio de bons exemplos de desconstrução.

O motivo foram frases homofóbicas escritas em ripas de madeira no Centro Acadêmico de Comunicação Social (Cacos). A sugestão de que a “cura gay” e a Lei Maria da Penha deveriam se concretizar em pauladas nos homossexuais e mulheres fez a Floresta – como o campus é conhecido – parar e discutir a forma como esses grupos ainda são retratados dentro da universidade.

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Um dos pontos levantados na conversa é que, apesar de os estudantes de Comunicação aparentarem ser mais moderninhos e vazios de preconceitos, o tratamento dispensado às meninas e lgbts dentro da Floresta está longe de refletir esse clima, sem contar as letras de músicas cantadas pela bateria.

No meio desse triste acontecimento, várias pessoas deram uma sambada na cara dos machistas e homofóbicos e apareceram com boas sugestões de ações desconstrutivas. A primeira sugestão foi uma mesa redonda, com uma conversa entre os alunos e um debate, que poderia envolver a troca de experiências e a discussão sobre pensadores e teóricos que falam sobre o movimento.

Logo em seguida, apareceram duas ideias bem legais para mudar um pouco a cara da bateria. O pessoal da atlética se pronunciou, apresentando um projeto já em andamento para retirar a carga preconceituosa das músicas: de 4 a 5 semanas para cá, eles têm tocado apenas as versões originais das canções, o que ainda assim não é suficiente. As alternativas foram desde fazer jams com outras bandas do curso até propostas de novas músicas sobre empoderamento.

Por fim, no dia seguinte rolou uma intervenção nas paredes do centro acadêmico – que já estava marcada antes da treta – e a galera aproveitou o espaço para exigir respeito e reafirmar a validade de todas as formas de amor.

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Comece por você

Desde o período varguista, os homossexuais vinham se juntando para discutir a construção da sexualidade brasileira. Isso se deu, principalmente por conta do surgimento das primeiras universidades no país. Já no período da ditadura militar, com um forte movimento estudantil, a esquerda passou a envolver as minorias em seus planos secundários, mais para atrair filiados do que para propor ações efetivas. Ou seja, os homossexuais ainda não se relacionavam como um grupo social.

Foi no mesmo ano da criação do jornal Lampião (1978) que uma turma de jovens, principalmente atores, profissionais liberais e estudantes, começou a se reunir para discutir sobre a homossexualidade de forma liberacionista. No princípio, os encontros se concentraram nas experiências dos membros enquanto homossexuais. A ideia partiu do princípio de se criar um coletivo que atuasse na realidade começando por eles próprios antes do “outro”.

“Brotavam temas ligados à quebra de papéis sexuais, à ruptura do modelo heterossexista de relacionamento amoroso e à polivalência amorosa como proposta potencialmente transformadora”, conta João Silvério Trevisan, membro do grupo, em seu livro Devassos no paraíso. Com esse modelo surgia o primeiro grupo social GLBT do Brasil. Mas ele só foi oficialmente fundado com o nome de Grupo Somos em 1979, depois de um debate na USP, onde se opuseram aos estudantes universitários de esquerda que defendiam uma “razão maior” pelo dogma da luta de classes.

Deste grupo surgiram muitos outros em todos os estados brasileiros. O Somos cresceu, virou referência. E o que podemos aprender com ele? Além de toda a sua história de luta, o Somos ensina também que a desconstrução começa dentro de cada um de nós.

Por Lucas Panek
22/01/2017 09h00