Criacionistas e evolucionistas podem discordar da origem do universo, mas nenhum deles pode negar que o álcool acompanha a humanidade desde o seu princípio. Ora cambaleando, ora trançando as pernas, mas sempre juntos, se apoiando um no outro.
Anos de evolução. De frutas fermentadas naturalmente, que tornavam nossos antepassados exímios dançarinos e corajosos oradores, passando por concentrações gigantescas de metanol (a porção má e tóxica, também chamada Raquel) e etanol (a porção tragável ou Ruth) formando nuvens entre meios interestelares no espaço, até chegar a garrafas de Absolut decoradas por Romero Britto, o cosmos parece nos enviar uma mensagem direta e muito simples: bebam! E busquem conhecimento. Só não dirijam depois.
Portanto, nada melhor do que começar uma conversa (e esta coluna) tomando um drink. Ou alguns. E exaltando a mixologia – ou a arte de combinar sabores, texturas e aromas enquanto equilibra garrafas na cabeça, cospe fogo e assovia o hino.
Na verdade, a mixologia é um processo alquímico muito belo, que deveria ter elevado seu status como uma das funções mais importantes num panorama social contemporâneo, relegando as piruetas com copos e taças a festas de casamento dos anos 2000. Uma das coisas mais bonitas dessa área é perceber a paixão com a qual barmen falam sobre seu ofício. Namore alguém que fale sobre você para os outros do mesmo jeito que um barman fala sobre seus drinks.
Beber é coisa séria. Até o terceiro copo, pelo menos. E Curitiba tem lugares incríveis para isso.
Só em 2017, foram ao menos 7 novos lugares inaugurados com uma proposta voltada exclusivamente à coquetelaria, mostrando o potencial da área na terra das araucárias.
Aliás, alguns números são interessantes para entender como se chegou a esta lista e conseguir escolher as melhores indicações curitibanas no setor. 20 estabelecimentos que tenham como um dos focos principais a coquetelaria foram visitados. 55 drinks foram experimentados. 8 litros alcoólicos aproximadamente foram ingeridos. 4 dias de ressaca acometidos. 1 rim prejudicado. E sempre quando se ouvia a pergunta “Qual vai ser o drink?”, apenas 1 pedido era feito “Me diga qual drink tem mais a cara da casa”.
Entre a vertigem das listas de Umberto Eco, os Top 5 de Nick Hornby e adotando alguns critérios básicos, como proposta do cardápio, criatividade e inovação, estrutura, excelência no preparo e sabor, se chegou a esse ranking de 9 lugares sensacionais disposto por ordem de preferência.
No Officina quase tudo é perfeito. O espaço e a decoração do bar são pensados em todos os detalhes para serem lindos e para o lugar ser totalmente instagrammable, principalmente o teto de lâmpadas e a frase na escada. No cardápio, os destaques são os drinks assinados por Diego Bastos. Botanic, o drink campeão do Prêmio Bom Gourmet 2016, e o Rosé Quartz G&T, vencedor do Cocktail Journey Brasil 2016, são bebidas tão incrivelmente gostosas e bonitas que é difícil escolher entre uma delas, sendo obrigatório experimentar ambas. O Basil Mint é outra criação de destaque de Bastos, puxado para um sabor mais refrescante e aromatizado. Para dizer que o lugar tem um defeito: o atendente na porta recepcionando os clientes enquanto come chips de batata-doce não é a coisa mais elegante do mundo, mas traz a humanidade necessária.
O Officina fica na Alameda Dr. Carlos de Carvalho, 1154, no centro da capital.
O conceito Rooftop promete um lugar no topo de um edifício, com uma vista panorâmica da cidade de tirar o fôlego. O Gards de fato está no último andar do Shopping Pátio Batel, mas não dá pra dizer que a vista seja um atrativo. Assim todo o brilho fica por conta do bar, que arquitetonicamente se coloca sabiamente como o centro de tudo e é um dos melhores da cidade. O lugar tem um estilo contemporâneo chic tropical, conceito que também é adicionado nas apresentações dos drinks, principalmente nas criações. O Devil’s Bless é um trocadilho ótimo para nomear o saboroso drink criado pelo bartender Fellipe Gaio que leva gim, refrigerante de gengibre, amora, licor de laranjas amargas e infusão das plantas mão de deus e garra do diabo. Pra quem gosta de algo mais adocicado e fancy, o Tropical 75 sabe dosar bem gim, limão siciliano, espumante, amora e açúcar.
O Gards fica localizado na Av. do Batel, 1868, uma das áreas nobres de Curitiba.
O .Gin é exageradamente millennial. E isso pode ser um problema. Ou não. Tudo é pensado e otimizado para agradar a essa geração, da decoração cobre às embalagens To Go (pacotes plásticos que, a princípio, podem ser vistos como um sacrilégio, mas que no final trazem charme e compõe com a proposta geral). Situado no Hauer Shopping, centro gastronômico agitado na região do Batel, o refinado bar convive entre fish‘n’chips e chopps de forma harmoniosa, conquistando um público não iniciado e potencialmente consumidor com preços baixos. Sentar para degustar um drink pode não ser muito confortável, por conta do espaço apertado e a movimentação constante de jovens com hormônios à flor da pele preocupados em alimentar seus feeds com fotos e stories. Contudo, o sabor dos drinks fazem valer, especialmente o Short Leave Spritz. E o Bamboo? Também outro drink de destaque.
O .Gin fica na Rua Cel. Dulcídio, 739, nos bares do Shopping Hauer.
O Taj é top. Tanto no sentido positivo quanto no sentido negativo da expressão. O ambiente voltado a um público de maior poder aquisitivo foca no clima de balada e cobra entrada. Isso pode afastar quem vá atrás apenas de uma boa bebida e ainda ter dinheiro para pagar o aluguel final do mês. Contudo, as criações assinadas pelo mixólogo Pablo Moya agradam pela teatralidade e sutileza dos sabores. Emulando uma farmácia vintage dos anos 40, o lugar traz uma proposta peculiar e interessante, mas pouco aproveitada, uma vez que não há banquetas disponíveis para sentar diretamente na bancada do bar. O Pharmacy Book é feito de uma combinação curiosa e deliciosa de vinho do porto, rum e whisky, servido com toda uma encenação. E o Prescription 1 talvez não agrade quem prefira algo forte, mas seduz pelas nuances delicadas e refinamento no preparo.
O Taj Bar fica na Rua Bpo. Dom José, 2302, ao meio de outras opções de entretenimento.
Com carta assinada por Lukinhas Siqueira, o bar de drinks do Taco se destaca pela criatividade. O clima mexicano festivo do lugar pode não combinar muito com pedidos clássicos, como Dry Martini e Gin Tônica, preteridos por criações alegóricas e espetaculares, tendo sempre a inovação como mote e a visualidade combinada com o sabor. O Moscow Mule é um dos destaques, decorado com um belo pedaço de gengibre caramelizado, digno de fotos para o Instagram. O Negroni, perfeitamente executado, pode ser a opção dos mais conservadores. Mas é possível se aventurar por um cardápio com inúmeras alternativas, além das propostas sazonais, como drinks quentes feitos no inverno e temáticos de día de los muertos, ou ainda desafiar o bartender a criar algo especialmente para você.
O Taco fica na Rua Bpo. Dom José, 2295, em frente ao Taj.
O Tokyo-u é agradável, curioso, descomplicado e barato. Funciona também como bar secreto no interior do restaurante Miyako, um universo instigante desde a entrada. Ao adentrar o salão principal, tudo remete à cultura oriental. A televisão passando o telejornal japonês, a decoração característica, os aromas no ar. Uma porta no fundo à direita é o acesso ao bar de drinks assinados pelo bartender Yoh. A trilha sonora é de muito bom gosto. E o clima gostoso, do tipo que te convida a passar algumas horas. Os preços também são muito aprazíveis, os mais baratos dos lugares conferidos. É um lugar de muita personalidade, mas que não agrada àqueles que prezam pelo refinamento do ambiente.
O Tokyo-u fica na Avenida Presidente Getúlio Vargas, 1011, no Rebouças.
O Ginger é aquele tipo de lugar super cool. Sem placa indicativa ou fachada, o bar secreto fica nos fundos de uma galeria de arte e para entrar é preciso ter uma senha (que pode ser solicitada via inbox na página do bar no Facebook). Só por isso já vale conhecer. Mas o local ainda se especializou em drinks feitos à base de gim, a melhor bebida do mundo. Ou seja, a frequência regular é inevitável. Aqui vale experimentar clássicos, feitos com maestria, e curtir a decoração charmosa e levemente decadente. Vá às quartas-feiras, quando acontece o evento Mixology, que reúne DJs e competição de drinks.
O Ginge Bar fica no Centro da capital, na Rua Saldanha Marinho, 1220.
O Hey, Dragon!, bar anexo ao restaurante Lagundri, apresenta uma proposta thai tanto na decoração intimista, quanto na releitura de clássicos. A proposta do ambiente, com luz baixa e tons sóbrios elegantes, é voltada àqueles que querem beber e conversar tranquilamente, sem fotos ou selfies. Um dos destaques é o Kyoto Mule, uma deliciosa versão que usa saquê no lugar da vodka e, por isso, alcança um resultado mais suave e refrescante.
O Hey Dragon também fica no coração de Curitiba, na Rua Saldanha Marinho, 1071.
Irashaimase! Esse é o cumprimento de boas-vindas gritado pelos bartenders do Hyotan logo que você entra no estabelecimento. Visitar esse boteco japonês também é desbravar um universo paralelo. E com a quantidade certa de Shochu, tradicional destilado japonês com o qual são feitos os drinks da casa, a experiência pode se assemelhar a um filme de Miyazaki. O pequeno ambiente que comporta aproximadamente 20 pessoas por vez razoavelmente confortáveis tende a ser muito pragmático: coma o que for comer, beba o que for beber e libere o lugar para os próximos clientes. E não encha o saco. Aqui o interessante é optar pelo desconhecido e ir testando sabores pouco corriqueiros ao paladar ocidental, por isso todo o cardápio é o foco.
O Izakaya Hyotan fica localizado na Alameda Augusto Stellfeld, 1281, no Batel.
Resumindo. Se você sente que existe um mundo melhor além de ficar tomando Keep Cooler no posto, pode começar a desbravar o mundo dos drinks e coquetéis por alguma dessas dicas. Ou realizar o tour completo, que inclui, além nos 9 bares, mais uma décima parada na Unidade de Pronto Atendimento para um último shot de soro.
No início tudo era escuridão. E posso afirmar que é mais ou menos a mesma coisa depois de uma odisseia etílica dessa. E algumas questões universais perduram no final “De onde viemos?”, “Como chegamos em casa?” e “Por que acordamos numa banheira de gelo com uma cicatriz nas costas?”.
#Sextou
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