A popularização das séries nas TVs brasileiras. O que isso representa?

Se você costuma frequentar qualquer tipo de reunião social, em algum momento, invariavelmente, alguém – um amigo ou apenas um estranho puxando conversa – vai te perguntar “o que você está vendo?”. Via de regra ele não quer saber o que seus olhos enxergam naquele exato segundo, mas qual (ou quais) série você está acompanhando no momento. O hábito de consumir produtos televisivos disponibilizados em capítulos ou episódios deixou de ser característica dos noveleiros para ganhar uma parte cada vez maior da população brasileira.

Porém, o Brasil nem sempre teve essa abertura para a importação das produções seriadas. Se nos EUA, principal exportador de séries do mundo, esse tipo de programa começou a ter peso já nas décadas de 1960 e 1970, por aqui foi só nos anos 1990 que os canais de televisão passaram a permitir os famosos “enlatados americanos” em sua programação. Se você tem 30 anos ou mais, deve se lembrar que Casal 20, McGyver, A Gata e o Rato e Alf – o Eteimoso foram raras exceções na década de 1980, mas só passaram a ser valorizados na programação na década seguinte.

Já a década de 1990 é o que costumo chamar de “1ª era de ouro das séries”. Foi nesse período, possivelmente graças à chegada da TV a Cabo (que não só disponibilizou produtos para os seus assinantes, mas também pressionou as emissoras nacionais a liberarem espaço para a exibição de séries), que os brasileiros puderam contar com uma variedade maior de produtos e uma exibição coesa, respeitando a ordem dos episódios e contando com dias fixos de exibição. Nessa leva, séries como Twin Peaks, ER – Plantão Médico e Barrados no Baile (saudades, Brandon) atingiam um público bastante homogêneo, ou seja, quem gostava de séries assistia a todas elas (esse público era formado principalmente por adolescentes).

Barrados no Baile mostrava os dramas de jovens de Beverly Hills.

Nesse período, o comportamento geral dos jovens teve grande influência do que se via nas telas. Roupas, música, hábitos alimentares e até os relacionamentos foram marcados pelos temas discutidos nessas e outras séries. Algumas das séries iniciadas nos anos 1990 permaneceram no ar até a década seguinte (como é o caso de ER e Barrados no Baile) e devido ao sucesso desse tipo de programa nos EUA e outros países do mundo, as produtoras passaram a lançar vários outros títulos que também fizeram sucesso nas telas brasileiras.

E então, vieram “os outros”

Lançada em 2004 – no Brasil em 2005 -, Lost inaugura a “2ª era de ouro das séries”, dando início a um fenômeno que atualmente já está consolidado: a fidelização do público. Diferentemente do que ocorria até então, quando as pessoas assistiam as séries quando não tinham o que fazer no horário no qual elas eram exibidas, com Lost o ato de assistir passa a ser um entretenimento valorizado como opção inicial e não como forma de passar o tempo.

Com um investimento maior e consequente valorização do conteúdo, o modo de fazer séries também sofreu uma mudança drástica nesse período, assim como a forma de reagir ao que se via na tela: como essa foi a década da popularização da internet, foi nesse momento que o público passou a discutir, torcer e fazer propaganda de sua série favorita em fóruns online e Redes Sociais.

Cercada de mistérios, Lost iniciou muita gente que hoje é viciada em séries.

Um novo mercado

De lá para cá muitas séries de qualidade foram produzidas: Breaking Bad, How I Met Your Mother, Grey’s Anatomy, Supernatural, Gossip Girl, CSI (em todas as suas variações) e Glee representam apenas uma parte pequena de tudo o que foi lançado ainda nos anos 2000.

A década atual pode vir a ser – ênfase no “pode” –  a “3ª era de ouro das séries”.  É óbvio que houve uma mudança no modo de fazer e consumir séries em relação à década anterior, mas ainda é cedo para determinar se essa mudança representará uma mudança definitiva nesse mercado. O que vemos agora com séries como The Walking Dead, Sons of Anarchy, Downton Abbey, Game of Thrones, O Demolidor, House of Cards, The Handmaid’s Tale e tantas outras que ainda ocupam as grades ou terminaram recentemente, é que as produções já não são feitas para alcançar todo o público. O público-alvo das séries é cada vez mais segmentado, o que torna quase impossível definir quais são as características padrão dos consumidores de séries.

Além disso, a chegada e popularização da distribuição por streaming (serviços como Netflix e HBO Go) elevou a produção de séries a um outro patamar. Com a facilidade de acesso, muitas pessoas que nunca antes tinham se interessado por esse tipo de produto se tornaram seriadores aficionados, o que os coloca em uma fatia muito valorizada do mercado midiático. Assim como não se pode responder se antes veio o ovo ou a galinha, não é fácil determinar se o aumento do investimento nessas produções fez com que elas caíssem no gosto do público comum ou se a lógica segue no sentido contrário. Uma coisa é certa, sabemos que ainda que sofram mudanças, as séries não sairão do gosto popular tão cedo e é muito provável que ainda essa semana você tenha que responder “o que você está vendo” a alguém.

Game Of Thrones What GIF
Por Lis Claudia
15/03/2018 13h10