A difícil arte de ser cronista esportivo

O título de cronista esportivo hoje se tornou corriqueiro, banal. Qualquer um que escreva meia dúzia de linhas sobre esporte de forma mais analítica, crítica e com uma boa dose de estatística já é rotulado como tal.

Tive algumas tentativas em blogs pela rede de tentar fazer esse estilo. Todas elas sem sucesso. Hoje pulam em nossas telas um sem número de “PVCs”, “Kfouris” e demais blogueiros competentes pelo país e mundo afora. Mas nem sempre foi assim. Antigamente, escrever era um privilégio para poucos. E um desses poucos foi o mais controvertido dramaturgo brasileiro.

Pouca gente imagina que o começo do “anjo caído”, do homem que escreveu histórias pra lá de cabulosas, como as que apareciam aos domingos no Fantástico no inesquecível “A vida como ela é” — com a narração impecável de José Wilker e uma vinheta tão característica quanto a do plantão da Globo — foi no esporte.

Isso mesmo. Nelson Rodrigues escreveu para o Jornal dos Sports, Manchete Esportiva e O Globo dedicando-se a narrar os fatos esportivos com um toque diferente. Com a mesma genialidade que escreveria, anos depois, clássicos como Vestido de Noiva e O Beijo no Asfalto, o escritor desfilava pelas páginas dos diários sua melhor análise poética sobre o que acontecia dentro das quatro linhas.

Não por acaso, nos primeiros anos da televisão, ele foi convidado para integrar a Grande Revista Esportiva, avó das mesas-redondas que hoje pulam por aí nas TVs aberta e fechada. Em um desses programas, Nelson Rodrigues citou uma das célebres pérolas da televisão brasileira.

Era a metade da década de 1960, e o chamado replay, a repetição da jogada exibida no vídeo, havia sido recém-implantado. Torcedor fanático do Fluminense, Nelson Rodrigues ficou indignado com a marcação de um pênalti contra seu time do coração. Luiz Mendes, apresentador do programa, pediu então a repetição da jogada, comprovando a veracidade do lance.

Não querendo sair “por baixo” da discussão, o escritor e cronista cunhou a seguinte frase: “Se o vídeo diz que foi pênalti, pior para o videoteipe. O videoteipe é burro”. Nelson Rodrigues faleceu aos 68 anos, no final de 1980, por conta de complicações respiratórias.

Se você ficou curioso com o estilo de crônica que o autor fazia, aqui você pode conferir algumas no livro A Pátria de Chuteiras. A obra reúne os melhores textos dessa fase esportiva de um dos maiores dramaturgos e apaixonados por futebol que o país já teve. Um cronista em sua essência e genialidade.

Por Cássio Bida
28/05/2015 09h00